«Quando
as perguntas que trazemos valem mais do que as respostas provisórias que
encontramos»
«Um
dos passos mais belos da Bíblia tem a ver com um hipopótamo. E não é
propriamente um divertimento teológico, pois surge numa obra que explora muito
seriamente os limites da responsabilidade humana face à experiência devastadora
do Mal. Falo do Livro de Job, claro. O que primeiro nos surge ali é o protesto
de Job contra o Mal que se abate inexplicavelmente sobre a sua história,
protesto que se estende até Deus, já que, afinal, Ele não isenta os justos das
tribulações. Mas depois vem o momento em que Deus se propõe interrogá-lo. E
nesse diálogo assombroso, desenvolve-se um raciocínio que não pode ser mais
desconcertante. Job só consegue pensar nas suas dores e nos porquês com os
quais, inutilmente, esgrima. Deus, porém, desafia-o a olhar de frente para...
um hipopótamo. Vê o hipopótamo que criei
como a ti... Levanta a sua cauda como um cedro; os tendões das suas coxas estão
entrelaçados. Os seus ossos são como tubos de bronze, a sua estrutura é semelhante
a pranchas de ferro. É a obra-prima de Deus..., ninguém se atreve a provocá-lo.
O
método de Deus neste singular encontro com Job é abrir a medida do seu olhar,
rasgá-lo imensamente a tudo o que é grande, a tudo o que não tem resposta,
mostrando-lhe que se o Mal é um enigma que nos cala, o Bem é um mistério ainda
maior. A maravilhosa obra do Criador também não tem resposta. Porquê pretender
a todo o custo uma solução para o Mal,
se o Bem é igualmente uma pergunta, e uma pergunta mais funda, vasta e
silenciosa? Olha de frente tudo o que é grande, é o desafio que Deus
faz a Job. E, perante isto, Job responde ao Senhor: Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora viram-te meus
próprios olhos, por isso, retrato-me e faço penitência no pó e na cinza.
Ele tinha apenas ouvido, mas agora viu, observou a ordem maravilhosa do
Criador, fixou-se na sua grandeza, reparou de frente na imensidão. Job queria
desvendar a dobra do Mal e esquecia-se que é o Bem o gigantesco segredo, o
impensável desígnio da Graça que nos visita».
In
José Tolentino Mendonça, O Hipopótamo de Deus, Paulinas Editora, Prior O Hipopótamo
de Deus. José Tolentino Mendonça. Prior Velho, 2013, ISBN 978-989-673-325-4.