No teu rosto
«No teu rosto
competem mil madrugadas.
Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas.
A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego».
Fundo do mar
«Quero ver
o fundo do mar
esse lugar
de onde se desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos corais
e onde a morte beija
o lívido rosto dos afogados.
Quero ver
esse lugar
onde se não vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse mundo
descubra a que mundo pertenço»
Morte silenciosa
«A noite cedeu-nos o instinto
para o fundo de nós
imigrou a ave da inquietação.
Serve-nos a vida
mas não nos chega:
somos resina
de um tronco golpeado
para a luz nos abrimos
nos lábios
dessa incurável ferida.
Na suprema felicidade
existe uma morte silenciada»
Poemas de Mia Couto,
in ‘Raiz de Orvalho, 1981’
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