Resumo:
«O Terremoto de Lisboa é a expressão
linguística de conjunto do que, em perspectiva realista, seria uma configuração de evidências concretas a observar com respeito aos factos. Uma
soma de lendas, investigações, repercussões, constituíram na memória social uma
obviedade que cria duplo obstáculo
epistemológico. O primeiro, o de sua reificação; considera-se o fenómeno como evidente, real, óbvio, consensual. O segundo, de empiricismo mais sofisticado,
diria que há um fenómeno real a respeito do qual podemos ter diferentes pontos
de vista. Ou seja, já há um objecto definido aceito e sobre o qual teremos
visões a ponderar. Autores, contrastantemente conhecidos; Voltaire, Rousseau e
Malagrida podem nos ajudar a observar entraves significativos à constituição do
terremoto de Lisboa».
«Os objectivos
deste trabalho de índole ensaística residem no desejo de discutir a
constituição de alguns pontos de convergência de autores que se diferenciam
fortemente no campo intelectual do século XVIII. A possibilidade de cotejo nos
é dada por fenómeno que observaram e constituíram cada um a seu modo. Assim, o terremoto de Lisboa de 1755 é
visto por três estrangeiros que ocupam posições desiguais na história do
pensamento. Os dois primeiros de que trato, Voltaire e Rousseau, são
mais do que conhecidos e estudados e, deles, apenas sublinharei alguns traços.
O terceiro é um, até agora, pouco observado jesuíta italiano que teve intensa e
variadíssima actuação em Portugal e no Brasil e que tem obra escrita escassa e
de acesso difícil. Iluministas e iluminado
que nos deixaram explicações causais para a catástrofe de 1755 e, delas, nos serviremos como um ténue fio condutor. O Poema sobre o desastre de Lisboa (1756),
François Marie Arouet, dito, Voltaire (1694-1778) tem como subtítulo ou título alternativo as palavras que se seguem: Ou exame deste axioma: tudo
está bem. O axioma a que ele refere, tudo está bem, sintetizaria se assim podemos dizer, as posições
centrais de determinado optimismo filosófico contra as quais o escritor francês
se volta. As teses optimistas firmam que o mundo, criado por Deus, é organizado
pela providência de tal modo que, um
mal necessário seja sempre compensado por um Bem sempre maior. Voltaire critica
fortemente esta posição notadamente pelos perigos maiores que acarretaria: o
fatalismo e a inacção. No caso, toma como instrumento de ataque o terremoto de Lisboa de 1755,
que apresenta como exemplo notável do que aquela expressão optimista teria de
obstáculo à racional compreensão da realidade. O alvo principal das críticas é
Gottfried Wilhem Leibniz (1646-1716), e em ponto menor,
Alexander Pope (1688-1744). Postulam que o mundo que conhecemos é o melhor dos mundos possíveis.
Ele é a melhor das alternativas possíveis, escolhido por Deus, e criado por
Deus. Voltaire, em seu poema, indaga, com veemência e indignação, como a
bondade de Deus permitiu tragédia tão lancinante. Ou: como compatibilizar a
existência do mal com a ideia de um Deus permanentemente benfazejo e
benevolente na sua Omnipotência. Diz Voltaire: Je ne conçois plus comment tout serait bien:
je suis comme un docteur; hélas! Je ne sais rien!
Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778)
em 18 de Agosto de 1756, na Lettre sur la Providence, assume posição
oposta à de Voltaire. Afirma que a culpa estaria, portanto, não em desígnio
divino, nem em causa natural; Deus e natureza
preservam a sua bondade inata. As
causas estão na própria corrupção da integralidade humana pela sociedade
e por sua irracionalidade, por sua incapacidade de manter o carácter
originalmente bom dos filhos do Senhor. As consequências do fenómeno seriam de
outra amplitude se não houvesse um despropositado número de casas amontoadas (segundo ele, vinte mil e
de seis a sete andares) e com uma população mal distribuída. Chega o pensador
genebrino a dizer que, talvez, nenhum estrago teria ocorrido se fossem
observadas as regras que a Razão determina». In Luiz Felipe Baeta Neves, Profetismo
e Iluminismo no Terremoto de Lisboa de 1755, Revista
Convergência Lusíada, nº 24, 2007, Real Gabinete Português de Leitura, Rio de
Janeiro, ISSN 1414-0381.
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