Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) Durante os anos de governo de Afonso VI, as principais sedes episcopais
da Península estariam nas mãos de homens de Cluny, quase todos franceses. A
referida ordem não só seria a vanguarda de uma vasta reforma eclesiástica na
Península, de indubitável valor espiritual, como também se prestaria a cumprir
um papel importante na tarefa fundamental de encontrar uma esposa para o rei. O
padre Flórez, biógrafo das rainhas católicas espanholas, escreveu que
estudar o tema das mulheres do pai de dona Teresa é como entrar num labirinto;
entrar é fácil, mas é muito difícil encontrar a saída. O problema radica,
sobretudo, na falta de documentação. Isso é mais do que compreensível, tratando-se
de um monarca que teve cinco esposas e pelo menos duas concubinas. Tudo
isso num período de constantes mudanças, políticas e religiosas, no meio de guerras
e conquistas, numa época em que a clareza não era o que mais caracterizava os
documentos, dos quais só alguns chegariam aos nossos dias. O que se sabe com
certeza é que até à subida ao trono o pai de dona Teresa esteve prometido (alguns
dizem casado) com Águeda, filha do duque Guilherme I de Normandia.
Segundo certas fontes, ela teria morrido em França enquanto viajava rumo à
Península. Segundo outras, ter-se-ia negado a contrair matrimónio com um homem
de um reino tão longínquo e desconhecido.
Pouco depois de se tornar rei de Leão e Castela, Afonso VI casou com Inês,
filha do duque Guilherme VIII de Aquitânia; um dos seus antepassados tinha
patrocinado a fundação da ordem de Cluny, por volta do ano 900. Não é demasiado claro se Inês morreu sem lhe dar descendência
ou se foi repudiada por não lha ter podido dar; a única coisa certa é que em 1078 desaparece da documentação régia.
De qualquer forma, a presença desta mulher no reino de Leão acentuou ali a
substituição do rito moçárabe. No território actual de Portugal, a reforma
produziu-se coincidindo com o repovoamento da zona a sul do Douro que o rei
levaria acabo em finais de 1076. Consequência
dela seria a restauração do estratégico bispado de Coimbra, o bastião mais extremo ocidental da
fronteira cristã. O seu bispo, Paterno, começou a figurar nos
documentos a partir de 20 de Novembro de 1078. Uma crónica fala da viagem realizada pelo dux
Sisnando à cidade de Saragoça para ali escolher o homem que regeria
o episcopado coimbrão.
Afonso VI tinha então uns trinta e oito anos e ainda não contava com um
filho a quem deixar a sua coroa. Como planeava alargar a reconquista em
direcção a sul, precisava de revalidar quanto antes o apoio dos seus condes e
poderosos com um herdeiro, pelo que casou de novo, desta vez com Constança
de Borgonha, filha do duque Roberto, irmão do rei de França. Esta rainha
aparece pela primeira vez nos registos leoneses a 1 de Maio de 1079. Não muito antes tinha ficado
viúva do duque de Châlons, um dos nobres franceses que, instados pelo papado,
tinham atravessado os Pirenéus para combater na cruzada contra os mouros. O facto de Constança ser viúva indicaria
possivelmente que o rei quis ter certezas devido ao que tinha acontecido com a
sua primeira mulher, embora se ignore se a borguinhona teve filhos do anterior
vínculo. Mais curioso é o facto de, segundo os documentos franceses, ela ter
naquela altura à volta de trinta e seis anos, uma idade excessivamente avançada
para os tradicionais fins de ter descendência, o que reforça a ideia de que
o casamento se efectuou para favorecer
exclusivamente o apoio de Cluny, uma vez que o abade desta Ordem, Hugo de
Semur, era tio materno da rainha.
A escolha de nobres francesas também demonstra o interesse de Afonso em
conseguir o apoio dos reinos mais além dos Pirenéus nas suas campanhas contra
os muçulmanos, em sintonia com o papado. Por esse motivo chama a atenção o
facto de o segundo matrimónio do pai de dona Teresa se ter realizado sem que o
pontífice tivesse sido consultado. Quando Gregório VII soube, através do seu
legado, que Afonso tinha casado com Constança, ficou colérico, por ela ser parente
em quarto grau da primeira mulher do rei, Inês de Aquitânia, o que transgredia
uma das principais normas que a Reforma tentava impor, a impossibilidade para
os cristãos, mesmo que fossem reis, de casar com parentes até ao sétimo grau,
como os concílios tinham estabelecido desde o século IV. O Papa escreveu
uma carta de protesto ao abade de Cluny e outra ao rei, ameaçando-o com a
excomunhão. Se não te afastas da mulher
incestuosa, ver-me-ei obrigado a desembainhar a espada de São Pedro, dizia-lhe. Desta forma o
instava a romper esse ilícito matrimónio por ela ser sua parente». In
Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G.
Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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