José do Telhado Agora
«(…) Pedi às pessoas importantes, que me sacrificaram, o patrocínio
necessário para arranjar uma qualquer ocupação fora da minha terra, mas ninguém
me atendeu. Contentar-me-ia com um lugar de guarda do contracto; e, se mo dessem,
teria feito muitos serviços, e seria ainda hoje um homem útil e honrado, e
teria educado os meus pobres meninos. José Teixeira nunca proferiu as palavras
os meus pobres meninos, que se não lhe vidrassem os olhos. A hoste de Joaquim
do Telhado, quando viu a adesão do valente José, nomeou-o chefe, e o irmão submeteu-se.
Estreou-se José Teixeira na noite de 12 de Dezembro de 1849, salteando de surpresa uma casa na
freguesia de Macieira, que tinha nomeada de rica em dinheiro velho. O
proprietário, Maciel Costa, foi ferido, e arrastado para confessar onde tinha a
saca das peças, ao mesmo tempo que o criado, seu único doméstico, gemia
amarrado de mãos para as costas pedindo a Deus que terminasse depressa o
inventário dos haveres de seu amo. Era valioso o tesouro do lavrador, e a
repartição foi equitativa.
Poucos dias depois, tirada a devassa, José Teixeira foi pronunciado com
seu irmão, se bem que Joaquim já o estava nos célebres roubos de Canelas do
Douro, Margaride e Baião. A mulher de José Teixeira, quando soube que seu
marido estava culpado num crime, que a infeliz nem sequer sonhara, tentou
suicidar-se, e matar com ela os filhos. Contiveram-nos eles, de todo desamparados
pelo pai, que resolveu ir para o Brasil depois da pronúncia. De feito, embarcou
o fugitivo com passaporte na barca Oliveira
em fins de 1849. Apresentou-se no Rio
de Janeiro ao cônsul geral, dando-se a profissão de carpinteiro. Passou à
província do Rio Grande do Sul. Tirou em Porto Alegre passaporte para Santa
Catarina. Visou-o em S. José com destino a Sorocaba em Março de 1851, e já em Novembro desse mesmo ano
assaltava em Portugal a casa de António Fabrício Lopes Monteiro, de Santa Marinha
do Zêzere. O Comércio do Porto
bosquejando uma biografia de José do Telhado, até à data da sua
prisão em 1859, escreveu que ele voltou do Brasil, segundo se diz, por ter
feito um grande roubo naquele império.
Perguntei ao preso que razão teve para sair do Brasil. - Saudades de
minha mulher e dos meus meninos, respondeu. - Mas é fama que o senhor fizera lá
um grande roubo. - É mentira. Eu andei por lá dezanove meses tão aflito do
coração, que não parava em parte nenhuma. Cuidei de morrer de saudades, e por
isso vim, sem já se me dar de ser preso e enforcado. O que eu queria era estar
perto dos meus meninos, e morrer onde minha mulher me aparecesse à hora da
morte. Agora vão em fileira os crimes de José do Telhado, indicados no libelo
geral de acusação, depois de sua volta a Portugal. O assalto do Zêzere, já
mencionado, foi infrutuoso por a desesperada tenacidade com que os sitiados se
defenderam. Seguiu-se o vulgarizado assalto de Carrapatelo, à casa de dona Ana
Vitória Abreu Vasconcelos. Esta senhora estava com visitas, que tinham ido desanojá-la
da morte de seu pai, falecido poucos dias antes. Era de noite. Os cães,
reclusos em casa, latiam impacientes. Um criado abriu-lhes a porta, e pela
abertura recebeu na cabeça um golpe de machado. Penetrou a horda na cozinha, e
um dos invasores, para aquietar os gritos do criado, cortou-lhe a voz na
garganta com uma bala de pistola. Entraram à saleta onde estavam as espavoridas
senhoras, e trouxeram-nas processionalmente à beira do cadáver, observando-lhes
que teriam igual destino se fizessem motim, e não entregassem o dinheiro que estava
em casa. Entregou a senhora sem hesitação o dinheiro e valores que tinha,
excepto um anel, que José do Telhado urbanamente lhe devolveu, tirando-o da mão
de um subordinado. O facto seria galante, se o chefe não dissesse, no mesmo
ponto, que José Joaquim Abreu, o recém-morto pai da senhora, tinha trinta mil
cruzados em moeda. A dama ignorava que tal dinheiro houvesse em sua casa, e respondeu
que só sabia do que entregara. Foram, em seguimento a tal resposta, novamente
conduzidas as senhoras ao espectáculo do cadáver, e ajoelharam para receberem a
morte.
Neste lance, lembrou-se uma criada que o dinheiro poderia estar no
quarto não aberto ainda, desde que o defunto saíra para a cova, e proferiu em voz
alta, a sua conjectura. Ficaram três sentinelas às damas e José do Telhado
entrou no quarto, arrombou as gavetas, e senhoreou-se das sacas do dinheiro. Voltando
à cozinha, mandou erguer as moribundas senhoras, conduziu-as à saleta, onde as
tinha encontrado, recomendou-lhes que estivessem caladinhas, que eram bonitas,
fechou-as por fora, e retirou-se a passo mesurado». In Camilo Castelo Branco, Aquela
Casa Triste, Brevíssima Portuguesa, Livraria Civilização Editora, Porto, 1995,
ISBN 972-26-1214-X.
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