Os Pilares da Igreja
«(…) O bispo diocesano concluiu a sua visita pastoral com a celebração
eucarística seguindo o cânone romano, em que declarava a Deus: Comigo teu
indigno servo... O pároco tomou nota e, a partir do dia seguinte, na oração
eucarística, da missa, passou a exortar os fiéis a rezar pelo nosso indigno bispo. Conhecedor do facto, o bispo impôs
ao padre que parasse imediatamente com tal imploração mas o jovem sacerdote respondeu
que o tinha aprendido dele próprio e que se ele, bispo, o dizia a Deus por
conveniência, ele, pelo contrário, dizia-o com plena convicção, para que o
Senhor o convertesse.
A dupla inclinação de cabeça é obrigatória ao citar-se o nome de um
empregado da Secretaria de Estado, como a um gotha sagrado; àquele que ultrapassou o décimo nível é devida a
genuflexão de latria. É de rir: riqueza, superioridade e mentira de uma
casta que faz todo o possível por sintonizar com a influência do mundo que
viaja de Rolls-Royce ou de avião.
Quando Paulo VI modificou a organização da Comissão para a comunicação
social pontifícia, o prefeito de um dicastério congratulou-se com o prelado
presidente, porque com tantos desastres de viação nas grandes vias, o papa fizera
muito bem em dar importância ao dicastério já de facto indispensável e
oportuno: o papa tinha trocado a Comissão por um gabinete de inspecção viária...
O eminentíssimo bergamasco sempre pronto à piada cáustica e que devia a
púrpura ao amigo João, agora papa, definia a cúria romana como desumana e
burlona: ele lá sabia!
Naquela manhã o cardeal secretário de Estado pediu uma Bíblia o mais
rapidamente possível para citar uma passagem do Evangelho. O secretário
particular voltou frustrado dizendo-lhe que não havia nenhuma, à mão. Nem no monsenhor substituto?,
disse o eminentíssimo. E o secretário-colaborador: Foi ele próprio que,
surpreendido, me disse: a que propósito vem, aqui, o Evangelho? Não está a confundir
com o Código?
Faz-se humor sobre o andar cómico de certos prelados afectadamente
presumidos e graves quando sabem que vão ser filmados para a televisão: no seu
andar desajeitado, solene e majestoso, têm um belo andar de corpo, como escreveu
Crepari de S. Luís Gonzaga.
A propósito de sátiras: na altura, as pessoas riam-se muito com a
ironia cortante de um certo indulto papal concedido, de modo especialíssimo, a
alguns prelados, privilégio de fazer uso da bissexualidade não obstante
qualquer disposição contrária.
Um conhecido prelado muito intransigente in re morali em relação aos outros, mas de hábitos
licenciosos e grosseiros, confidenciava aos seus amigos particulares ter feito
voto de homossexualidade para não ultrapassar os limites em ir às mulheres.
Numa Quinta-Feira Santa, 4 de Abril de 1985, com a luz do dia e a luz eléctrica a reflectirem-se no vermelho-arroxeado
dos prelados em procissão, seguindo o papa, um sorridente mestre-de-cerimónias
polaco estendia os braços e as mãos para saudar cardeais e bispos dos primeiros
lugares até onde os seus olhos chegavam, repetindo: sois os pilares da
Igreja, os pilares, os pilares, felicidades, obrigado!... Um prelado, já de
idade e surdo, inclinou-se para o vizinho do lado e perguntou: Frangas para quem?
Os purpurados dos lugares mais em evidência têm um cerimonial próprio
no sentar e no levantar a sua preciosa barriga, que movimentam segundo a
importância de quem se apresenta para os reverenciar. Se, por exemplo, é o
secretário de Estado a saudá-lo, o impulso para a posição de sentido é de
piquete; com os iguais, o erguer-se é lento e suave; com o dignitário que lhe é
inferior, é suficiente um palmo de altura do assento cardinalício; com um
monsenhor em ascensão, um largo sorriso com aperto de mão não muito prolongado;
em privado, é já suficientemente importante estender-lhe a mão com uma atenção
rápida, quase como a dar-lhe a entender que é um atrevimento pouco agradável. É
um código de observância mais ou menos estrita, cujas mensagens regulam a curva
dos que sobem e dos que descem na engrenagem da graduação para o topo, as influências
de cada um deles e o conhecimento das vias ascensionais pelos funcionários da
corte.
Mariana Roncalli respondia a uma amiga que pedia
lhe explicasse as vestes prelatícias do filho Giuseppe, feito monsenhor: Não
faça caso se o meu filho se veste como bispo sem o ser; são coisas que os
padres combinam entre eles. É de facto exacto não fazer caso de certas
extravagâncias que os prelados combinam. A honra, para eles, está na cor
vermelha da mesma forma que para o estrábico a linha paralela». In I
Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra
Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN
972-46-1170-1.
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