Vagueando
«Vejo
um barco a navegar,
em
sanhudas águas, na serra,
gigânticas
árvores em guerra,
esqueletos
do triste luar.
Lá
longe, lá muito longe,
tão
longe que não se vê,
um
certo cego que lê
invisível
livro de monge.
No
silêncio um pássaro canta,
em
floresta sem verdura;
árvores
que são serradura,
São
carne que o homem espanta.
Bebe-se
o sangue dos nossos,
em
orgias outonais;
come-se
a carne dos mais,
com
facas dos próprios ossos.
Lágrimas
de álgidos prantos,
nos
rostos de muita gente,
e
o resto feliz, contente,
inferno
p'ra muitos santos.
Dores
terríveis que passeiam,
outras
dores menores esquecem,
frio,
que entes não aquecem,
são
corpos que p’la morte anseiam.
Olhares
que ferem, que matam,
bífidas
e agudas lanças,
aniquiladores
de esperanças,
sóis
que o asfalto dilatam.
Imagem
dum deus, distante,
barco
esquecido no rio,
sol
invernal, no Estio,
sombras
em alma ofuscante.
Guerra
de anjos, de santos,
num
inferno de lisonja,
em
cada canto, uma esponja,
podridão
em rotos mantos».
[…]
Poema
de Fernando Baralba, in ‘Sombras na Lama’