«Depois de criar o céu e
a Terra, Deus gerou, à sua própria imagem, o primeiro homem, e chamou-o de
Adão. Ele então mandou que todas as legiões do Céu, os Anjos e Arcanjos, se
curvassem perante Adão e lhe prestassem homenagem e respeito, pois Deus daria a
Adão o controle sobre toda a Terra e as suas criaturas. Lúcifer, porém, o mais
belo anjo de todos, enciumou-se e recusou-se a curvar-se perante Adão. Reuniu
ao redor de si outros anjos com esse mesmo sentimento e eles formaram um
exército numeroso, que se revoltou contra o Criador. Uma batalha feroz
deflagrou entre os anjos de Deus e aqueles que deram as costas a Ele. Tanto
sangue foi derramado que se formaram dois rios caudalosos atravessando o deserto
abrasador. No final, o grande guerreiro, o Arcanjo Miguel, juntamente com a Hoste
do Céu, derrotou Lúcifer e expulsou-o com os seus rebeldes para fora do
paraíso. Os Anjos Caídos, ou Nefilins,
como foram chamados na Bíblia, estavam proibidos para sempre de retornar ao
Céu. Então eles desceram para a Terra e caminharam furtivamente entre os
homens. Ao longo das eras, o seu ódio cresceu, e Lúcifer jurou que algum dia
teria a sua vingança. Mas havia um entre eles que se arrependera e secretamente
desejava o perdão do Criador. O nome dele era Furmiel, o Anjo da 11ª Hora. Por
causa do remorso dele, Deus concordou em lhe dar a mortalidade e permitiu que
vivesse o resto da sua existência como homem. Uma vez que o espírito de Furmiel
não poderia jamais retornar ao Céu, Deus permitiu que ele tivesse uma filha que
seria levada ao nascer para assumir o lugar do pai entre os Anjos. Mas porque
Deus sentiu que o momento da vingança de Lúcifer era chegado, ele permitiu que
a esposa de Furmiel desse à luz gêmeas, sendo que a segunda filha viveria na
Terra. Ela chegou à idade adulta sem saber que o sangue dos Nefilins corria nas
suas veias. E por causa desse laço de sangue, ela estava destinada a ser
escolhida.
Abandonada
Nínive, norte do Iraque. Saia! A voz esganiçada do
motorista iraquiano ecoou rispidamente no interior do carro. Uma nuvem de areia
e pó formou-se do lado de fora depois da travagem brusca. Rudemente acordada,
Cotten Stone endireitou-se no banco. Mas o que foi isso!? Ela tentou ver alguma
coisa no meio da poeira e a penumbra do anoitecer. Saia já! Não levo
americanos. Do rádio jorrava um palavreado incompreensível na voz de um locutor
iraquiano. O que aconteceu?, insistiu ela. O que está errado? O motorista saiu pela
porta que tinha escancarado e correu para a parte de trás do carro. Cotten
forçou a maçaneta da porta empoeirada até ouvir um estalido seco. Oiça, o que
pensa que está a fazer?, gritou, saltando para fora. O motorista já abria a bagageira,
de onde tirou as duas malas que lhe pertenciam, que jogou na beira da estrada. Não
me pode deixar aqui, protestou, dando a volta ao carro. Estamos no meio de um
maldito deserto! Impassível, o motorista indicou com a cabeça o falatório do
rádio. Cotten abaixou-se para pegar a sacola de lona em estilo militar que
continha as suas gravações e jogou-a de volta à bagageira. Escute, dei-lhe todo
o meu dinheiro. Não tenho mais nada. Virou do avesso os bolsos vazios das calças.
Era uma mentira estratégica. Antes de embarcar, tinha escondido quase duzentos
dólares dentro de uma embalagem de filme vazia. Era a sua reserva de
emergência. Não está entendendo? Veja, não tenho mais dinheiro. Eu paguei-lhe
para me levar até à fronteira. O motorista tocou-lhe no ombro com o indicador. Fim
da linha para americanos. Tornando a arrancar a sacola da bagageira, o
motorista atirou-a com toda a força no peito dela, quase derrubando-a, e
obrigando-a a recuar cambaleando uns passos para trás. Em seguida, ele
contornou o carro, reassumiu o lugar de condutor, engatou a marcha e saiu disparado,
com o velho Fiat derrapando na areia pedragosa. Não acredito que isto esteja acontecendo,
queixou-se ela. Desalentada, Cotten soltou a sacola ao lado da outra e,
ajeitando uma mecha dos cabelos cor de chá atrás da orelha, acompanhou com o
olhar as lanternas traseiras do táxi até que desapareceram na distância. O
sussurro ameno do vento do deserto prenunciava o frio da noite ao mesmo tempo
que o céu de Janeiro passava de uma tonalidade rósea para o índigo. Sentindo o
frio começar a insinuar-se pelo corpo, Cotten abriu a outra sacola, tirou um
casaco impermeável em estilo militar e vestiu-o. Para se aquecer, saltitou no
lugar, as mãos enfiadas até o fundo dos bolsos. A escuridão, brusca como o rude
iraquiano, caía de repente sobre o deserto. Bem que alguém poderia aparecer...,
precisava que aparecesse, ela pensou. Passaram-se dez minutos sem nenhum sinal
de outro veículo. Finalmente, resolveu pegar as sacolas e começar a andar. Os
pedregulhos e a areia rangiam como pedaços de vidro sob as suas botas de
acampamento. Relanceou o olhar para trás, desejando ver o brilho de faróis, mas
nada se destacava no deserto escuro e árido. Não sei o que me deu para confiar
naquele sujeito, resmungou, a voz soando áspera no ar seco.
Alguma
coisa o motorista devia ter escutado no rádio para ficar tão fora de si. Cotten
sabia que as forças armadas americanas se preparavam para uma invasão. Havia
uma semana que corriam rumores entre os jornalistas da comunicação
social estrangeira
de que ressoavam cada vez mais alto os tambores de guerra em Washington e
Londres. Não era nenhum segredo que algumas equipas avançadas das
forças americanas e britânicas tinham-se infiltrado no país. Podia ser que a
invasão acontecesse meses depois, mas era difícil esconder a concentração de
tropas nos países árabes que faziam fronteira com o sul do Iraque. O noticiário
árabe local vivia de imagens das forças especiais e dos fuzileiros navais
aparecendo e desaparecendo no meio da noite. Testemunhavam-se até mesmo voos estratégicos
de caças, assim como a presença de aeronaves do tipo Predator, avião guiado por controlo remoto que não leva tripulação,
e de reconhecimento de alta altitude, para testar os graus de vulnerabilidade
das instalações de mísseis e de radares iraquianos». In Lynn
Sholes e Joe Moore, A Conspiração do Graal, 2005, tradução de Henrique
Monteiro, Editora Pensamento Cultrix, Brasil, 2007, ISBN 978-853-151-498-2.
Cortesia
de EPensamento/JDACT