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Eu ensinava naquilo que era afectuosamente referido no nosso sector escolar
como a lixeira. Aquele era o último
ano antes da entrada em vigor da lei do congresso que introduzia a integração, na escola normal de todas as
crianças com necessidades especiais, que assim seriam educadas num ambiente com
restrições mínimas; como tal, o nosso sector escolar ainda possuía as inúmeras
salas de educação especializada, cada qual dedicada a uma diferente categoria
de incapacidade. Havia salas de aula paras deficientes motores, para os
deficientes mentais, para os pré-psicóticos, para os deficientes visuais...,
havia salas de aula para tudo. As minhas oito crianças eram aquelas que ninguém
queria, as que desafiavam qualquer classificação. Todas sofriam de perturbações
emocionais, mas a maior parte delas também tinha perturbações mentais ou
motoras. Das três raparigas e cinco rapazes do grupo, três não sabiam falar,
uma sabia mas recusava-se e outro só era capaz de ecoar as palavras das outras
pessoas. Três dessas crianças ainda usavam fralda e outras duas
descontrolavam-se com regularidade. Uma vez que eu tinha o número completo
permitido por lei para cada turma de crianças com deficiência aguda, foi-me concedido
um assistente no início do ano; porém, contra as minhas expectativas, o meu
assistente não era um dos mais brilhantes e esforçados a quem a escola já dera
emprego. Anton era um trabalhador sazonal imigrante, de origem mexicana, que
fora recrutado através da delegação local da Segurança Social. Não terminara o
curso do ensino secundário, nunca passara o Inverno inteiro no Norte e
seguramente nunca mudara uma fralda a uma criança com sete anos de idade.
A
minha outra ajudante era Whitney, uma jovem liceal de catorze anos, que trocara
as suas horas de estudo acompanhado para trabalhar como voluntária na nossa
aula. Aos olhos de toda a gente, não parecíamos ser um grupo muito promissor e,
inicialmente, o caos era notório; no entanto, com o passar dos meses, fomos
sofrendo uma metamorfose. Anton dava provas de ser sensível e empenhado, e a
sua dedicação às crianças foi visível logo nas primeiras semanas. Os miúdos, em
contrapartida, reagiam bem ao facto de terem um homem na sala de aula e
fortaleciam os seus laços de união. A juventude de Whitney, ocasionalmente, tornava-a
mais parecida com uma das crianças do que com uma educadora, mas o seu
entusiasmo era contagiante, contribuindo para que todos nós encarássemos os
acontecimentos como aventuras, e não como os desastres em que muitas vezes se
transformavam. As crianças cresciam e evoluíam e, por altura do Natal, já
constituíamos um grupinho coeso. Foi então que Ed me enviou uma carga de
dinamite com seis anos de idade.
Chamava-se
Sheila. Chegou na segunda-feira seguinte, arrastada por Ed, o meu director, que
ficou para trás, visivelmente preocupado, enquanto abanava as mãos como que a
enxotá-la para dentro da minha sala de aula. Era muito franzina, com olhos
hostis, cabelos loiros compridos e emaranhados e um cheiro horrível. Dada a
fama que trazia, estava à espera de deparar com uma coisa muito mais robusta. A
avaliar pela aparência, não devia ser muito maior do que o rapazinho de três
anos que raptara. Raptara?
Observei -a atentamente. Graças à proverbial burocracia no sector do ensino, a
ficha escolar de Sheila não chegou antes dela; assim, naquele primeiro dia,
quando saiu para almoçar, eu e Anton aproveitámos a ocasião para ir ao gabinete
e examinar rapidamente o dossiê. Era desolador de se ler, mesmo segundo os
padrões da minha turma. A nossa cidade, Marysville, situava-se nas proximidades
de um grande hospital psiquiátrico e de uma prisão estadual, facto que, aliado
ao grande número de imigrantes, criara uma classe baixa desproporcionada, em
que muitos dos seus membros viviam em condições de extrema pobreza. Os
edifícios do campo de imigrantes tinham sido construídos como alojamento
temporário de Verão e muitos deles, literalmente, mais não eram do que barracas
de madeira e cartão e até careciam dos equipamentos mais básicos». In
Torey Hayden, 1995, A Menina que Nunca Chorava, tradução de Fernando Antunes,
Editorial Presença, 2007, 2012, Lisboa, ISBN 978-972-233-804-2.
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