«(…) Não existe na história da Inglaterra
nenhum acontecimento naval cuja importância possa ser comparada à destruição da
frota espanhola enviada, em 1588, por
Filipe II para conquistar o reino de Isabel I. Nunca os nossos vizinhos
além-mar correram um tão grande perigo e demonstraram uma perseverança tão corajosa.
Acrescentemos também que nunca foram tão favorecidos pela sorte. Uma rivalidade
política agravada por desentendimentos religiosos preparava há muito tempo a guerra
entre o rei de Espanha e a rainha de Inglaterra. Os comerciantes de ambos os
países disputavam há cerca de cinquenta anos os mercados mundiais; os Espanhóis
tinham do seu lado uma superioridade marítima há muito tempo adquirida; os Ingleses,
uma actividade mais recente e uma ambição insaciável. Quanto aos responsáveis
das duas nações, traziam para esta luta a obstinação de convicções absolutas. Se
Filipe de Espanha representava o catolicismo menos tolerante, Isabel de
Inglaterra personificava o protestantismo mais exclusivo. Enquanto o primeiro entregava
os hereges às mãos da Inquisição (maldita), afirmando que ele próprio traria os
feixes de lenha para queimar o seu filho se ele metesse um só pé na heresia, a outra
condenava à prisão e a multas quem quer que fosse que assistisse uma única vez à
missa, punia o mínimo esquecimento da prática protestante com uma multa de vinte
libras por mês e, além disso, tinha constituído uma comissão eclesiástica anglicana
incumbida de se pronunciar sobre todas as opiniões religiosas e autorizara a utilização
da prisão e da tortura. Compreende-se a repulsa que deviam experimentar um em
relação ao outro, dois soberanos tão antagónicos e tirânicos nas suas respectivas
crenças.
Afrontas políticas vieram
juntar-se a estes motivos de hostilidade. Desde 1578 que o almirante Drake devastava as costas do Peru e, um pouco mais
tarde, Filipe custeou as tropas que o duque de Parma conduziu até aos rebeldes da
Irlanda. Em 1585, esquadras inglesas
atacaram, sem declaração de guerra São Domingo e Cartagena. Um ano mais tarde,
Drake atacou Lisboa e destruiu em Cádis, uma frota completa de barcos de transporte.
Tantas injúrias exigiam uma vingança, e Filipe quis responder-lhes com a conquista
de Inglaterra. Apesar da perda dos Países Baixos, era o soberano mais poderoso do
mundo. Não somente dominava toda a Península Ibérica, Nápoles, Sicília, o
ducado de Milão e o Franco-Condado como também dominava Tunes, Orão, Cabo
Verde, as Canárias e possuía mais de metade da América. Para a sua expedição contra
a Inglaterra, equipou a armada mais formidável que alguma vez se vira nos
oceanos: era constituída por vinte e dois mil homens, distribuídos por cento
e cinquenta e dois barcos; na Flandres juntar-se-lhe-iam vinte e cinco mil soldados
veteranos, comandados por Alexandre Farnèse, e, por fim, na Normandia doze mil soldados
esperavam para se reunirem a eles. A frota havia sido baptizada com o ambicioso
nome de Armada Invencível.
Infelizmente, este gigantesco armamento
havia sofrido atrasos. A Inglaterra teve tempo de se defender. Isabel percorreu
o reino para encorajar o povo a resistir. A necessidade de animar os espíritos fez
aparecer na Inglaterra o primeiro jornal, English Mercury. Ainda se conserva no Museu Britânico um exemplar
desta curiosa publicação, impressa em letras redondas. A rainha reuniu em Tilbury
todos os soldados que ela conseguiu juntar e, quando passava revista às tropas a
cavalo, declarou que ela própria marcharia conta o inimigo. Os quinze mil marinheiros
que a Inglaterra possuía embarcaram em cento e catorze barcos, em que o mais potente
não ultrapassava as trezentas toneladas. Um só, chamado Triumph, tinha quarenta canhões. Mas esta esquadra, à qual faltava força
material possuía a força da inteligência que pode, sozinha, valer a outra e muitas
vezes a ultrapassar. Era comandada pelos melhores marinheiros do tempo: Drake,
Hawkins, Frobisher e Charles Howard. Os Holandeses, por seu lado, haviam
equipado noventa e duas embarcações, que foram, para a frota inglesa, um auxilio
muito útil. A Armada Invencível deveria ter tido por almirante o marquês de Santa
Cruz, mas este morreu durante os preparativos e o comando foi dado ao duque de Medina
Sidonia, marinheiro da corte, cuja presunção igualava a sua ignorância. Santa Cruz
havia recomendado a necessidade de se assegurar um porto em caso de tempestade ou
de insucesso e o duque de Parma propôs que se apoderassem de Flessingue, mas o novo
almirante considerou esta precaução inútil e partiu de Espanha no dia 19 de Maio
de
1588.
Filipe
viu-o partir com o coração ufano das mais altas esperanças, ainda que as recordações
do passado o devessem ter posto menos confiante. Desde sempre o mar fora seu inimigo.
Além da expedição de Medina Celi contra Tripoli, cujo resultado fora tão funesto,
Filipe assistira, quando voltava dos Países Baixos a uma tempestade, quase debaixo
dos seus olhos, que despedaçara uma esquadra completa e onde uma preciosa colecção
de quadros, reunidos por Carlos V na Flandres e na Itália desaparecera nas ondas.
A Armada
Invencível não foi mais feliz; apanhada por um tornado perto do cabo Finisterra,
perdeu vários barcos nas costas da Galiza e de França. Um prisioneiro inglês, que
fazia parte dos remadores, incitou os companheiros à revolta, obteve o comando da
embarcação, atacou outros dois e conquistou um porto de França. A frota desamparada
e já arrependida da sua orgulhosa segurança, refugiou-se numa enseada da Corunha
onde passou três semanas a reparar os estragos. Este primeiro desastre foi
anunciado a Isabel como a destruição completa dos inimigos e, assim, esta ordenou
o desarmamento dos barcos ingleses. Por sorte, Charles Howard tardou em obedecer-lhe
e foi informado da reaparição da esquadra espanhola». In Zurcher Margollé, Naufrágio da
Frota de Xerxes, 1997, tradução de Sara Travassos, Editorial Inquérito, 2003,
ISBN 972-670-398-0.
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de EInquérito/JDACT