sexta-feira, 31 de julho de 2015

O Cuco no 31. Quando o Cuco Chama. Robert Galbraith. «Porque nasceste quando a neve tombava? Devias ter vindo quando o cuco chamava. Ou quando as uvas estão verdes nas vinhas ou pelo menos quando as lestas andorinhas voam para escapar ao verão a acabar»

jdact

«Porque nasceste quando a neve tombava?
Devias ter vindo quando o cuco chamava.
Ou quando as uvas estão verdes nas vinhas
ou pelo menos quando as lestas andorinhas
voam para escapar
ao verão a acabar».
[…]
In Christina Rossetti, A Dirge

«(…) As barreiras de metal e os tapumes de plástico azul que rodeavam as obras na estrada tornavam muito mais difícil ver para onde devia dirigir-se, porque ocultavam metade dos pontos de referência desenhados no papel que tinha na mão. Atravessou a rua esventrada em frente a um prédio alto de escritórios, identificado como Centre Point no seu mapa, e que parecia um waffle gigantesco de cimento, com a sua grelha densa de janelas quadradas uniformes, e encaminhou-se mais ou menos na direcção de Denmark Street. Encontrou-a quase acidentalmente, seguindo por um beco estreito chamado Denmark Place e saindo para uma rua curta cheia de fachadas de lojas coloridas: montras pejadas de guitarras, de teclados e de todo o tipo de produtos musicais efémeros. Umas barreiras vermelhas e brancas rodeavam outro buraco aberto na estrada, e os trabalhadores com coletes fluorescentes saudaram Robin com assobios logo de manhã, que ela fez de conta que não ouviu. Consultou o seu relógio. Como tinha dado a margem de tempo usual para o caso de se perder, tinha chegado um quarto de hora adiantada. A porta do escritório que ela procurava, pintada de preto e sem quaisquer características especiais, ficava à esquerda do 12 Bar Café; o nome do ocupante do escritório estava escrito numa tira de papel pautado colado com fita-cola ao lado da campainha do segundo andar. Num dia normal, sem o anel novinho em folha a brilhar-lhe no dedo, talvez ela tivesse achado aquele pormenor desanimador; hoje, no entanto, o papel sujo e a tinta da porta a descascar eram, tal como os vagabundos da noite anterior, meros pormenores pitorescos no pano de fundo do seu fantástico romance. Olhou de novo para o relógio (a safira cintilou e o seu coração deu um salto; veria aquela pedra a brilhar para a resto da sua vida) e depois, num acesso de euforia, decidiu subir antes da hora e apresentar-se entusiasmada a um trabalho que não tinha a mínima importância.
Estava a estender a mão para a campainha quando a porta preta se abriu de rompante e saiu uma mulher de roldão para a rua. Num estranho segundo estático, as duas olharam-se nos olhos, ambas a prepararem-se para aguentar uma colisão. Os sentidos de Robin estavam especialmente alerta nesta manhã encantada; a visão daquele rosto por uma fracção de segundo causou-lhe uma tal impressão que, pensou ela, momentos depois de conseguirem evitar-se uma à outra por uma unha negra e de a mulher de cabelo escuro se apressar a descer a rua) virar a esquina e desaparecer da vista, poderia desenhá-la perfeitamente de memória. Não foi só a extraordinária beleza do seu rosto que se lhe gravou na memória, mas também a sua expressão: lívida, mas estranhamente agitada. Robin segurou na porta antes de ela se fechar sobre as escadas acanhadas. Uma escadaria antiquada de metal subia em espiral à volta de um elevador de gaiola igualmente antiquado. Concentrando-se em evitar que os seus tacões altos ficassem presos nos degraus de metal, subiu até ao primeiro patamar, passando por uma porta onde estava pendurado um cartaz laminado e emoldurado a dizer Crawdy Graphics, e continuou a subir. Foi só quando chegou junto à porta envidraçada no andar acima que Robin se apercebeu, pela primeira vez, do tipo de negócio para onde a tinham enviado como secretária. Ninguém na agência lhe tinha dito. O nome no papel ao lado da campainha lá em baixo estava gravado no painel de vidro: C. B. Strike, e por baixo as palavras Detective Privado». In Robert Galbraith, Quando o Cuco Chama, tradução de Ana Saldanha, Maria Segurado e Rita Figueiredo, Editorial Presença, 2013, ISBN 978-972-235-153-9.

Cortesia da EPresença/JDACT