A noite ordinária
«Que bela noite ordinária que eu passei!
Foi isso há tempos
num quarto defendido pelas pulgas
e vigiado por um vento carteirista
que morava (disseste)
mesmo ali ao pé.
O problema da luz foi o primeiro
(que resolvemos apagando-a)
depois o das torneiras
depois o do marinheiro
que queria entrar nos nossos problemas
depois o teu
o teu problema já na cama,
na cama com mais paciência que encontrei!
Depois
falaste com as torneiras
e eu gritei.
Gritei por calculado amor
por brilhantina
por miséria
gritei até pela vitória
(supremo humor!)
dos que se batem contra a Cara-Alegre
gritei p’ra não parar de gritar
gritei Chapultepec e Oaxaca
(nomes por excelência afrodisíacos)
gritei até descobrir
o sítio em que te escondias
e então deixei-te gritar…
Quando a noite resignada
abria a última pálpebra
gritei ainda: mas é isto o espelho!
E o dia levantou-se como um cão
(imagem acessível à família…)
da bela noite ordinária
que passei…»
Fraco mas forte
«Nada na mão
algo na v’rilha
remancho as noites
e troto os dias
entre tabaco
viris bebidas
fraco mas forte
de muitas vidas
(que eu já dormi
co’as duas mães
e as duas filhas
que vão à missa
com três mantilhas).
Nada na mão
algo na v’rilha
sofro comigo
luta intestina
(ao bem ao mal
a mesma alpista)
bebo contigo
cerveja uísque
p’ra que se veja
mais rubra a crista.
Nada na mão
algo na v’rilha
encontro a morte
no meio da vida
morte bonita
nada aflita
(ou é da minha
tão fraca vista?)
e tenho sorte.
Nada na mão
algo na v’rilha
invisto contra
o zero puro
da minha vida
e duro, duro!
Poemas de Alexandre O’Neill,
in ‘Poesias Completas, 1951 / 1986’
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