«O catarismo é um fenómeno
histórico que pode ser observado segundo dois pontos de vista: para uns, é uma
religião evangélica, para outros, trata-se de uma clara heresia…»
Lenguadoc. Século XIII. A originalidade
Occitânica
«(…) Falou-se amplamente desta nova civilização, desta vida brilhante, numa palavra, do modo de vida
diferente que se manifestava nesta parte da Occitânia, e que se pode muito bem balizar
no território compreendido desde o Languedoc até à Provença, de Toulouse a
Marselha. Nos termos actuais, chamá-la-íamos a singularidade occitânica. Há no
entanto, uma parte da Aquitânia a que corresponde, por direito de honra, fazer parte
deste novo sentimento, ou forma de entender a vida. Referimo-nos à corte radicada
em Peitieu, Poitiers, regida por aquele extraordinário personagem que foi Gilhem
de Peitieu, Guilherme de Poitiers, duque da Aquitânia, considerado por todos como
o primeiro trovador de que há notícia. É bastante significativo que seja precisamente
um grande senhor que abra a galeria dos trovadores, uma forma evidente de literatura,
cujo cultivo irmana pessoas de diferentes condições. E dispostos a elaborar um caderno
de especificações singulares, recordemos o caso, se não único, pelo menos bastante
excepcional, de que um território tome o nome da língua que nele se fala. A força
e a singularidade de uma língua dão nome a um país e não o inverso, como costuma
ocorrer.
Manuel
de Montoliu descreve-nos nos seus estudos o alto nível da língua e da cultura occitânica,
também denominada, segundo as épocas, as correntes literárias, etc., limusino, provençal...
De qualquer forma, preferimos que seja um occitânico, Peire Bec, quem nos explique:
o occitânico medieval foi uma grande língua
civilizadora: expressão de uma comunidade humana original e suporte de uma cultura
que ensina o mundo. Desde o século XI ao XIII o occitânico é realmente a língua
tipo da poesia lírica. Todos os estudiosos são unânimes em reconhecer este primeiro
passo literário e avançado da lírica occitânica, que se fica a dever ao trabalho
dos trovadores. Mas que uma lingan chegue a ser pioneira no terreno literário, significa
também que é uma língua bem construída, elaborada desde o princípio, que tem uma
base forte e rica. Podemos confirmar esta dedução: a língua dos trovadores não é
um ponto de partida nem o resultado de uma mudança brusca; nem o próprio duque de
Aquitânia surge por geração espontânea; pode ser, em todo o caso, o primeiro resultado
conhecido de uma longa evolução, tanto linguíscica, como social e cultural: os primeiros
passos, sem sombra de dúvida, deram-se muito antes.
Dispomos
de outras referências que nos permitem compreender a força desta língua veicular,
que substituiu o latim, primeiro na sua vertente oral e, de forma mais pausada,
na escrita: possuímos um grande número de escrituras, de estudos de costumes, de
actas notariais diversas. Registos de funcionários municipais, de procedimentos,
de deliberações locais, etc., mostram-nos que a ponta do iceberg trovadoresco assentava
sobre uma cultura linguística, falada e escrita, absolutamente normalizada e desenvolvida.
Muito mais por certo, globalmente, que a dos franceses do Norte. Outro aspecto
de interesse são as gramáticas que aparecem também nesse período contemporâneo da
Ctuzada e que acabam por apurar a língua, no seu todo.
Depois do ano de 1244,
o ano da queda e do desastre de Montségur, a decadência da língua occitânica é irremediável.
A força viva da expressão literária, que eram os trovadores, foi diminuindo até
desaparecer completamente, quando estes se calaram. O decorrer dos anos e o nivelamento
levado a cabo pela passagem dos franceses fizerum o resto: o enfraquecimento de
uma língua que teria de esperar até ao século XIX para ser descoberta. A corte de
Toulouse do século XII, centro de atracção literária, onde os trovadores catalães
e italianos, além dos occitânicos, recebiam e davam o melhor do seu gai saber, emudeceria também. O esteio
identificador de um povo e de uma cultura iria, pouco a pouco, mas a um ritmo implacável
e firme, desaparecendo. E assim se feria de morte uma língua que, segundo parece,
Dante pensava empregar para escrever A Divina Comédia. Depois da língua, vamo-nos
centrar agora no trovador, um elemento, em si mesmo, original e característico desse
novo modo de relacionar-se que caracterizou aquelas terras meridionais». In
Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema religiós, pretext politic, Cathari,
Ediciones Península, 1995, ISBN 84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento,
Perseguição, Extinção, Editora Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.
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