terça-feira, 11 de agosto de 2015

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «O velho recinto medieval, sucessivamente enriquecido com o palácio da Inquisição (maldito), o convento dos Dominicanos e o Hospital de Todos os Santos, fora regularizado em metade da área da Praça do Comércio pela planta de Eugénio dos Santos…»

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A Praça do Comércio
«(…) A monumentalidade do conjunto é garantida pela sua qualidade rítmica, sobretudo. Elementos celulares simples, arcos que se multiplicam nas três faces dos edifícios contínuos, em galerias mais profundas na face norte (catorze arcos de cada lado do arco do triunfo, com interrupção de duas ruas), do que nas faces nascente e poente (vinte e cinco arcos) definem a arquitectura de Eugénio dos Santos, enobrecida pelos dois pavilhões terminais e pelo arco triunfal donde parte a Rua Augusta, principal do sistema da Baixa. A inspiração vinda da obra de Terzi (que já tivera projecção no complexo joanino do convento-palácio de Mafra, devido a J. F. Ludovice) é evidente, com necessária modernização do novo desenho, a que, numa visão ambiciosa e sem realidade, se pretendeu (talvez Carlos Mardel) acrescentar cúpulas sumptuosas; não deixaria, porém, de levar balaustradas sobre os entablamentos que Eugénio dos Santos, mais estritamente, não previra. O seu arco de triunfo foi, sem dúvida, inspirado em desenhos de Le Brun à glória de Luís XIV embora o coroamento do projecto português seja por demais simples e falto de brio, no seu frontão triangular como suporte de estátuas. Mardel imaginará outro, com uma elegância requintada, e outros ainda serão apresentados ao longo do século XIX, até que, em 1875, se lhe deu a forma académica e sobrecarregada do projecto de A. Calmels, finalmente e em má hora aprovado.
Novo centro oficial da capital e do governo do País, grande teatro do comércio de Portugal, a Praça do Comércio constitui a expressão mais original do magno empreendimento da Reconstrução: nela o espírito pombalino tem a tradução simbólica que lhe convém, digna e prática, e justificada pelo próprio nome que necessariamente lhe foi atribuído.

O Rossio
Novo fórum de Lisboa, a Praça do Comércio absorvia em parte o papel social do Rossio antigo, mas este não deixou de merecer a atenção do legislador que, ao mesmo tempo, em Junho de 1759, tratou de resolver problemas relativos à edificação do que também considerava uma nobre praça. O velho recinto medieval, sucessivamente enriquecido com o palácio da Inquisição (maldito), o convento dos Dominicanos e o Hospital de Todos os Santos, fora regularizado em metade da área da Praça do Comércio pela planta de Eugénio dos Santos que continuava a prever, na sua face nascente, o convento e o hospital. Os terrenos tiveram, porém, outra distribuição, de prédios de rendimento cujo projecto foi cometido a Carlos Mardel, que ficou responsável pela urbanização do sítio. Três fachadas de prédios de três andares e um de águas furtadas completam-se com a fachada norte, destinada ao novo edifício do Palácio da Inquisição que a assumia regularmente. Mais tarde, a face sul da praça será modificada para reproduzir o corpo central do edifício da Inquisição (maldita), com o seu portal, como arco de comunicação com uma rua estreita que, na planta geral da Baixa, não atingiria o Rossio. Dois pormenores nestes prédios diferentes dos das ruas da Baixa chamam imediatamente a nossa atenção: primeiramente, o ritmo das janelas do primeiro andar, que insere modularmente uma sacada entre duas janelas de peito, ligando-a ao portal num conjunto de discreta monumentalidade. O segundo detalhe é constituído pelos telhados ditos germânicos, de águas sobrepostas, que se supõem introduzidos em Lisboa por Mardel, e que imprimem uma maior complexidade arquitectónica e uma maior riqueza visual ao Rossio.
O Palácio da Inquisição, que é dos raros edifícios nobres que o programa pombalino imediatamente admitiu, tem discutível qualidade arquitectónica na sua severidade. Uma grande sacada, com balaustrada de pedra sobre um portal de silharia refendida, e, sob um frontão triangular encimado por uma estatueta figurando a Fé, forma um conjunto que enriquece o corpo central da construção continuada em dois corpos de sete vãos em três andares. Um incêndio destrui-lo-ia em 1836, alterando, com a edificação do teatro de D. Maria II, a imagem original e significativa da praça. Na imediata vizinhança do Rossio realizar-se-iam em breve duas iniciativas necessárias à nova cidade: a instalação dum mercado, por detrás do seu lado nascente, em terrenos que o Hospital e os Dominicanos não utilizariam, e que, posta de parte a intenção de nele levantar quarteirões de prédios, ficaria para sempre devoluto; e a plantação de um jardim público, o primeiro que Lisboa conhecia, expressamente oferecido à sua população». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de I. Camões/JDACT