terça-feira, 25 de agosto de 2015

Teresa Távora. A Amante do Rei. Sara Rodi. «Estava assim, com poucos dias de vida, já prometida em casamento ao meu sobrinho Luís Bernardo Távora, que por sorte veio a revelar-se um jovem bonito e bem formado, com quem todas as fidalgas gostariam de casar»

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«Consiste o livre-arbítrio em voluntariamente cumprir o fado». In Agostinho da Silva

31 de Março de 1738
«(…) Nem todas podemos ter a tua sorte, Teresa. Ou achas que eu não gostaria de estar prometida a um jovem como o Luís Bernardo Távora? Agora, mais vale um velho conde na mão do que um jovem marquês a voar... O anfiteatro encheu-se de mais uma das minhas sonoras gargalhadas, que atraía sobretudo a atenção dos homens, não pela sua maior susceptibilidade ao som, mas porque o som, neste caso, provinha de uma das jovens mais bonitas da corte. Não tenho por que ser modesta. Herdara a beleza das Lorena, que haviam chegado a Portugal um século antes, por via do casamento. Minha mãe contava-me histórias da minha avó Margarida Armanda Lorena-Armagnac, filha de um estribeiro-mor do rei Luís XIV de França, que rumou a Portugal para ser terceira esposa de Nuno Álvares Pereira Melo, 1.º duque de Cadaval, que já no seu segundo casamento casara com uma Lorena, Maria Angélica Henriqueta Lorena, que morrera jovem.
Desses dois casamentos de meu avô nasceram 11 filhos, a maioria com Lorena no nome. Mas foi a irmã mais velha de minha mãe, Ana Lorena, quem primeiro cruzou o nosso sangue com o dos Távoras, casando com Luís Bernardo Álvares Távora, 5.º conde de S. João da Pesqueira. Desse casamento nasceu, entre outra descendência, Leonor Távora, minha sogra. Minha mãe, Joana Lorena, voltou a unir-se a um Távora, casando em 1699 com Bernardo António Néri Távora, 2.º conde de Alvor. Só deste casamento nasceram 15 filhos, todos eles orgulhosamente herdeiros das duas linhagens que lhes estavam nas origens. Longe ainda de adivinhar que, alguns anos depois, só o Lorena poderia dar-lhes alguma dignidade, porque o Távora, esse, se cobriria irreversivelmente de vergonha, à custa daquela jovem fidalga que, em 1738, centrava as atenções dos homens nas suas gargalhadas vigorosas. Eu própria, Teresa Távora Lorena.
O Luís Bernardo não tira os olhos de ti, dizia-me Pelágia, enquanto a tourada não tinha início. Não era já altura de casarem? O que é que vos impede? Não respondi para não alimentar boatos, nos quais Pelágia era perita. Mas o que nos impedia de casar tinha um único nome: Leonor Távora, mãe daquele que me estava prometido desde a nascença. A marquesa de Távora, como todos lhe chamavam, casara com o meu irmão mais velho, Francisco Assis, e fora mãe do seu primeiro filho varão em1723, 20 dias depois de minha mãe me dar à luz. Feliz por ser pai e avô com tão poucos dias de diferença, meu pai sugeriu, por graça, prometer-me em casamento ao seu neto, que era portanto meu sobrinho. O meu irmão Francisco e a minha cunhada Leonor não se opuseram e a ideia, que era só uma graça, tornou-se uma promessa, e valeu a todos a desgraça que mais tarde viria a suceder-se.
Estava assim, com poucos dias de vida, já prometida em casamento ao meu sobrinho Luís Bernardo Távora, que por sorte veio a revelar-se um jovem bonito e bem formado, com quem todas as fidalgas gostariam de casar. Estaria eu talvez satisfeita e entusiasmada com um pretendente tão perfeito, não fosse a minha cunhada, futura sogra, ser dona de uma arrogância insuportável, legitimada, segundo ela, por uma moral irrepreensível, à qual só faltava darem altar. Santa Leonor Távora, como lhe chamava entredentes, era a mais aborrecida das mulheres da corte. Também bonita e com ar distinto, achava no entanto que a beleza era uma grande responsabilidade, porque atentava à virtude. Uma mulher bonita devia ser ainda mais recatada e discreta, para evitar que as tentações do corpo se sobrepusessem às virtudes do espírito». In Sara Rodi, Teresa Távora, A Amante do Rei, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-482-6.

Cortesia EsferaLivros/JDACT