Necessidade
e limites da prospectiva
«(…) Em ambientes complexos a tarefa
de antevisão do futuro deve ter um carácter mais interpretativo, isto é, deve imaginar
o incalculável. As perspectivas complexas exigem um pensamento não linear; devem
entender os processos e as interdependências em rede de um modo reflexivo, auto-poético,
não sequencial, emergente, e não pensar a causalidade como algo baseado no passado
e linear. Quando os processos tomam um tempo longo e os efeitos não podem ser referidos
causalmente a uma origem indiscutível, as dimensões invisíveis tendem a ser
negadas e são situadas fora do quadro conceptual de referência. A perspectiva mecanicista
não está em condições para compreender os processos distanciados no espaço e no
tempo. Isto é um verdadeiro problema, dado que muitos dos produtos da ciência, químicos,
nucleares, genéticos e nanotecnológicos, se caracterizam pela sua inserção em
processos de grande distância espaço-temporal, pela extensão do seu período de
latência e por efeitos que não podem ser atribuídos de uma maneira incontroversa
às suas causas.
Os modelos lógicos e causais só explicam
aquilo a que poderíamos chamar a inovação fraca. Tratar-se-ia de um saber
acerca do futuro entendido como um passado projectado para diante, no sentido da
previsão como retrovisão antecipadora,
de que falava Âlfred Schütz. Dessa maneira só pode ser antevisto o que se pode esperar
com base no típico, o que se pode obter a partir de experiências que se sedimentaram
na consciência. Se Schütz tivesse razão, o novo só poderia surgir como
ampliação do passado, não se poderia antever o que ainda não tivesse acontecido
e a imaginação seria a simples reprodução do já experimentado e já sabido. O modelo
dedutivo supõe que o acontecido no passado também pode acontecer no futuro; o caso
particular submete-se a regras conhecidas e uma ordem conhecida é aplicável a um
novo caso. Deste modo, porém, não se experimenta propriamente nada de novo. As deduções
são tautológicas. Quando se deduz, não se faz senão interpretar o que acontece como
repetição do já conhecido e acreditado.
Para a inovação em sentido próprio
é necessário recorrer ao processo da abdução: a partir de um conjunto de fenómenos
sem relação aparente entre si, formula-se uma nova regra que liga todos esses fenómenos
com sentido, de tal modo que possam ser entendidos como expressões dessa regra.
Só desta maneira pode a sociedade conhecer alguma coisa nova acerca de si própria.
Por isso as conclusões abdutivas têm, como dizia Peirce, o carácter de conjecturas
ou apostas. Os prognósticos não trabalham com explicações causais, mas plausíveis;
não se movem no terreno da demonstração lógica, mas no da verosimilhança.
O segundo
elemento de qualquer prospectiva é a observação
do presente. Qualquer descobrimento do futuro começa por uma aproximação cognitiva
à realidade. A verdadeira dificuldade da predição do futuro provém do pouco que
conhecemos o presente. Em última instância, o presente é a base de todas as predições,
e a nossa vista curta no tocante ao futuro resulta de um empobrecimento da percepção
do presente: falta de interesse e de curiosidade, atitudes estereotipadas, exploração
rudimentar. Como se explica aquele paradoxo de a futurologia acabar sempre por nos
remeter para o diagnóstico do presente? O paradoxo do futuro provém de que nós
designamos com esta palavra uma extensão de tempo que, por princípio, escapa ao
nosso alcance. Na medida em que se torna realidade, na medida em que o conhecemos
ou fazemos alguma coisa com ele, ele já não é futuro, mas presente. Falar de uma
teoria do futuro tem o seu quê de contraditório, salvo se entendermos que se trata
mais de uma teoria política do tempo presente, na medida em que o actual contém
linhas de força que podemos prolongar hipoteticamente para antever o verosímil,
e na medida em que, do ponto de vista prático, podemos preparar-nos, condicionar,
evitar ou favorecer aquilo que no nosso presente aparece como futuro possível».
In Daniel
Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos,
Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de
Teorema/JDACT