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Os combates começaram e Fernando precisava de aliados; ter Aragão do seu lado,
por exemplo, era fundamental. Por isso, prometeu aos aragoneses todas as terras
que conquistassem, financiando-os ainda com um subsídio, e, para que não
houvesse dúvidas de que aquela aliança era verdadeira e para durar, pedia até
em casamento a filha do rei, dona Leonor de Aragão. No terreno, espadas,
lanças, setas e archotes escreviam o diário de uma batalha sem vencedores.
Fernando precisava de desequilibrar as forças, de modo que se dirigiu directamente
ao adversário e começou a subornar fidalgos castelhanos com terras em Portugal.
Em certas localidades de Castela, chegou a ser reconhecido como rei, mas, na
prática, isso estava longe de acontecer.
A
guerra, é claro, tinha dois sentidos e Henrique de Trastâmara acabou por
transpor a fronteira. Toma Braga, falha Guimarães e arrasa Trás-os-Montes. O
cenário punha-se difícil para as hostes fernandinas... Felizmente para o rei
português, nunca faltou quem visse em tempo de crise uma oportunidade: lá longe,
bem a sul, o rei mouro de Granada, percebendo que Henrique concentrava esforços
militares no Norte de Portugal, viu a porta aberta pata tentar tomar a
Andaluzia. Dividido entre dois fogos, Henrique voltou atrás e foi estancar a
nova ferida que se abria. Empatados, desgastados e, enfim, tomados de algum
pragmatismo, Fernando I de Portugal e Henrique de Castela decidem assinar as
pazes.
O
tratado foi assinado em Alcoutim, a 31 de Março de 1371, mas, como Fernando se revelava já
um terrível negociador, para não dizer que sofria de uma constrangedora falta
de memória, aceitou como condição casar com a filha de Henrique, dona Leonor de
Castela, desprezando o facto de se haver já comprometido com o mesmo a outra
Leonor, filha do rei de Aragão. Furioso, o monarca aragonês vingou-se no
primeiro português que the apareceu à frente: o pobre Afonso Baraceiro,
tesoureiro que lhe ia entregar o costumeiro subsídio de guerra e que acabou
lançado aos calabouços por razões que talvez nunca tenha chegado a deslindar.
Entre
o esforço de guerra, os subsídios, os subornos e as condições dos tratados de
paz, Fernando I tinha já conseguido
cavar um magnífico buraco nas contas nacionais. No mercado interno, começam a
faltar géneros e, nas ruas das principais cidades portuguesas, surgem os
primeiros sinais de fome. Agora, tudo recomendaria um serenar de ânimos. De nada
valia chorar sobre o leite derramado. Uma sequência de erros tremendos tinha
sido cometida, mas, com a paz de volta, cabia aa rei Fernando concentrar-se na
recuperação da economia nacional e dedicar algum tempo livre à preparação do
matrimónio com dona Leonor de Castela.
Acontece
que o belo Fernando I, o formoso Fernando I, tinha um coração
fraco. Era um jovem impressionável, cheio de sentimentos. Então, um dia, pondo
os olhos numa jovem dama que havia chegado à corte para visitar a irmã, decidiu
imediatamente que seria sua, que casariam, não importava que estivesse
novamente prometido em casamento a outra; não importava que ela própria fosse
já casada. Coisas do destino, também esta musa se chamava Leonor, dona Leonor
Teles Meneses, a terceira Leonor da sua vida, e última, para mal dos seus
pecados. Era natural de Trás-os-Montes e tinha casado aos 15 anos com João
Lourenço Cunha, senhor de Pombeiro. Coisa pouca para um rei do calibre de Fernando
I... Rapidamente, tratou de se conseguir a anulação daquele infeliz matrimónio:
baseou-se o argumento na acusação de dona Leonor Teles de que João era impotente,
devidamente corroborada por Fernando I que logo explicou que a recebera ainda
virgem, fenómeno extraordinário, tendo em conta que já tinha um filho». In
Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas,
2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT