sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Édipo e a Esfinge. Um Estudo Interpretativo. Ludwing Scheidl. «(...) e o rei Políbio, o meu pai, cujo corpo eu nunca toquei, pela primeira vez na vida lançou os braços em volta do meu pescoço e apertou a minha fronte contra o seu peito…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A figura lendária e mítica do rei de Tebas, Édipo, é evocada por Homero na Odisseia, quando Epiocasta (Jocasta) narra no Hades o seu destino; duas epopeias de que se regista apenas o nome, Edipodeia e Tebaida, relatam os acontecimentos do infortúnio dos reis de Tebas. Tem-se igualmente notícia de que o tema foi tratado em tragédias de Esquilo (na tetralogia Laio. Édipo, Os Sete contra Tebas, A Esfinge) e de Eurípides, mas só se conservam os textos Os sete contra Tebas de Esquilo, Rei Édipo (428 a.C.) , Édipo em Colono (406 a.C.) e Antígona da autoria de Sófocles, as Fenícias e as Suplicantes de Eurípides. A estrutura de Rei Édipo, a revelação em poucas horas dos crimes cometidos fazem desta tragédia uma modelar tragédia de destino.
O mito e a lenda em volta do rei de Tebas foram tratados por Séneca, posteriormente na Idade Média (Roman de Thébes, séc.XI), mas o tema foi essencialmente redescoberto na época do Renascimento; com Corneille o tema (Thésé) entra na literatura francesa e conhece grande divulgação em especial no século XVIII, também como drama musical. Na literatura alemã o destino do rei Édipo é tratado por Hugo von Hofmannsthal, que apresenta como que a história prévia da verdadeira tragédia no drama intitulado Édipo e a Esfinge, objecto da análise que nos propomos apresentar.
O tema tratado na perspectiva dionisíaca é várias vezes retomado no nosso século: refira-se J. Cocteau (La machine infernale (1934)), a oratória de Strawinskij Oedipos Rex (1928) e André Gide. A tragédia Édipo e a Esfinge de Hugo von Hofmannsthal afasta-se do modelo de Sófocles pela valorização da história prévia à consumação da verdadeira tragédia de Édipo e de Jocasta, e porque a tragédia de destino se transforma na versão do poeta vienense num estudo psicológico. O texto abre com o regresso de Delfos do príncipe de Corinto, Édipo, caracterizado como uma figura pálida , perturbada, como um fugitivo que finalmente os criados reencontram no percurso de um desfiladeiro. O criado mais velho Phõnix, que se revela ser o confidente e o próprio aio de Édipo, desvenda as razões da perturbação que se apoderara de Édipo em Delfos e as ordens expressas do jovem príncipe.

Phõnix
(inclinando-se)
Por isso pergutámos:
de que nos serve este anel real
que o nosso amo nunca tirou do dedo?
Então falou: levaio-o convosco e preservai-o bem,
até chegardes junto de Políbio, o rei;
a ele entregais o anel e haveis de dizer-lhe:
esse to envia Édipo, o teu filho, ele te saúda
e saúda a mãe, a nossa rainha,
e saúda Corinto, a cidade pois a ti, ó rei,
e à tua rainha e à tua cidade,
os três, que ele chamou de pai e mãe
e pátria não mais os seus olhos verão.
Édipo, o teu filho, não mais regressa,
que o anel o confirme.

É pungente a despedida dos criados, as cenas de fidelidade destes para com o príncipe de Corinto, cidade que Édipo não pode voltar a ver. Édipo está como que possesso, torna-se violento até que respirando com dificuldade se volta para o criado e aio, clamando:

Ajuda-me, Phõnix

Ε ouvimos pela primeira vez o que o oráculo falou. Agora se entende a profunda mudança operada desde Delfos, ainda que o segredo do oráculo não seja de momento revelado. Mas, como que em transe, Édipo recorda o episódio na corte em que foi chamado de criança adoptada. Questionados pelo jovem príncipe, os reis de Corinto juram que Édipo é seu filho.

Édipo
(...) e o rei Políbio, o meu pai, cujo corpo
eu nunca toquei, pela primeira vez na vida
lançou os braços em volta do meu pescoço
e apertou a minha fronte contra o seu peito
e por sobre o leito a mãe prendeu a minha mão.

A dúvida , porém, persiste e por isso a visita ao oráculo de Delfos. Na reconstituição das cenas do oráculo, o leitor/espectador entra no mundo irracional, dionisíaco: o relato vago de Édipo, invocando os sacerdotes, a pítia, o sonho com um mar de sangue em que a alma mergulha sem encontrar fundo, o assassinato de um homem que não é capaz de reconhecer, porque tem o rosto coberto. Depois de muito instado, Édipo revela as palavras do oráculo.

Édipo
(...) assim falou o deus da boca retorcida
da mulher em transe: o prazer do assassinato
expiaste-o no pai, expiaste na mãe
o prazer do abraço, assim foi sonhado,
e assim vai acontecer.

Para o confidente, a resposta é dúbia e faz ver a Édipo que o teor do oráculo não é verdadeiramente a resposta à pergunta que, afinal, nem chegara a formular. Mas para Édipo, o oráculo não deixa dúvidas, porque responde a um segredo íntimo que nunca antes desvendara. O tom de confidência prossegue e o criado e aio vai ouvir com espanto que Édipo nunca tomara mulher para si, porque se guardava para sua mãe. Aqui entra um tema tão ao gosto da geração finissecular, o complexo de Édipo, formulado por Sigmund Freud. A atracção obsessiva do jovem príncipe por sua mãe, a rainha de Corinto, é-lhe assim confirmada pela voz da pítia em transe. Por isso, e também porque a vida do pai está em jogo, Édipo está decidido a não regressar a Corinto». In Ludwing Scheidl, Édipo e a Esfinge, Um Estudo Interpretativo, Revista Humanitas, volume XLIX, 1997, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT