sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Algarismo e o Número. O Número de Deus. José Corral. «O rei de Leão instalou o acampamento a duas horas de caminho de Burgos. Sobre urna colina que se podia contemplar desde a várzea do rio Arlanzón e das torres do castelo burgalês, Afonso implantou os seus estandartes»

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O Algarismo e o Número
«(…) Sou eu o legítimo herdeiro de Casteia, senhores bispos, disse-lhes. Morto o jovem rei Henrique, meu primo, a coroa castelhana corresponde sem dúvida a mim. Haveis coroado como rei um rapazote nascido de um matrimónio que Sua Santidade Inocêncio III convenientemente anulou. O rapaz a quem agora chamais rei não tem legitimidade para o ser. Eu sou o herdeiro do meu avô, o imperador Afonso, rei de Castela e de Leão. Mas, Majestade, interveio Maurício, Fernando é vosso filho. Vós, senhor bispo de Burgos, sois ministro da Igreja, e o vosso sumo pontífice, a seu momento, disse, há já treze anos, que o meu casamento com a minha prima Berenguela era nulo de pleno direito e, portanto, são nulas todas as suas consequências; o infante Fernando, o rei de Leão pôs especial ênfase na palavra infante, é mais uma delas. Pedimo-vos que reflictais, senhor. Nós, os castelhanos, aclamámos a proclamação de Fernando, aceitámo-lo como legítimo soberano e os nossos ricos-homens juraram defender o seu rei com a própria vida. Em nome de Deus e da sua santa mãe, a Virgem Maria, vos pedimos que não provoqueis um confronto entre os nossos reinos, que só acarretaria morte e destruição mútua.
Enquanto os dois prelados entretinham Afonso de Leão, Fernando e Berenguela cavalgavam a todo a pressa para Burgos, no coração de Castela, onde tinham planeado fazer frente ao pai e antigo esposo. Burgos era uma florescente cidade em plena expansão urbana, reclinada sobre a encosta de um monte dominado por um poderoso castelo, à sombra do qual crescia. Havia pouco mais de um século, e graças ao Caminho Francês de Compostela, que atravessava a cidade, tinham-se ali instalado dezenas de comerciantes e artesãos que haviam contribuído para o seu desenvolvimento. Instalados na fortaleza, Fernando e Berenguela foram informados por um correio de que os bispos não tinham logrado convencer Afonso a desistir da ideia de atacar Castela, e avançava para Burgos à frente das suas forças.
O rei de Leão instalou o acampamento a duas horas de caminho de Burgos. Sobre urna colina que se podia contemplar desde a várzea do rio Arlanzón e das torres do castelo burgalês, Afonso implantou os seus estandartes. O Leão rampante, símbolo imemorial do velho reino, tremulava, desafiante, com o vento de oeste que arrastava etéreos odores de humidade atlântica. Alguns legados do rei leonês cavalgaram até Burgos demandando a rendição da cidade e a submissão à sua soberania. Afonso julgara que os castelhanos claudicariam de seguida ante a simples presença do seu exército e que não moveriam um dedo nem arriscariam a vida para defender os direitos de uma mulher e de um rapazote de dezassete anos.
Não obstante, a resposta dos castelhanos foi tão contundente como inesperada. A inteligente Berenguela não se limitara a retirar para Burgos; na sua retirada tinha ido obtendo apoios de nobres, vilas e cidades de Castela, e lograra pôr do seu lado a maior parte deles. Ninguém em Castela desejava ver-se submetido ao poder do rei de Leão, pois estavam convencidos que entregaria o governo do reino aos seus ambiciosos nobres. O alcaide de Burgos respondeu à demanda de capitulação do rei leonês asseverando que toda a Castela tinha jurado defender a causa do rei Fernando e que esse juramento sagrado os obrigava a resistir até ao fim. Quando leu a missiva, Afonso de Leão contemplou ao longe as muralhas brancas de Burgos. Sabia que, sem apoio interno, os seus desejos de submeter Castela eram inúteis. Muito a seu pesar e engolindo boa parte do seu orgulho, ordenou aos seus homens que levantassem o acampamento e dessem meia volta em direcção a Leão. Pelo momento, Castela lograra salvaguardar a sua independência». In José Luís Corral, El Número de Deus, 2004, O Número de Deus, O Segredo das Catedrais Góticas, tradução de Carlos Romão, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.

Cortesia de PlanetaEditora/JDACT