A
Infanta de Arévalo
«Segurai as rédeas com firmeza, Isabel.
Não o deixeis sentir o vosso medo, senão ele vai achar que é ele quem manda e, então,
tentará fazer-vos cair. Sentada sobre um elegante garanhão negro, assenti,
segurando as rédeas com força. Conseguia sentir a rijeza do couro sob os dedos coçados
das minhas luvas. Já tarde demais, arrependi-me de não ter deixado o pai de Beatriz,
Pedro Bobadilla, oferecer-me umas luvas novas pelo meu décimo terceiro
aniversário. O orgulho, um pecado que me esforçava muito por vencer, geralmente
sem sucesso, não me deixara aceitar tal presente, porque isso seria admitir a
nossa penúria, muito embora ele vivesse connosco, pelo que saberia perfeitamente
até que ponto éramos pobres. O mesmo orgulho não me permitira recusar o desafio
do meu irmão, que dizia que era tempo de eu aprender a montar um cavalo digno desse
nome.
Por isso, ali estava eu sentada, com
as mãos protegidas por umas velhas luvas de couro que pareciam finas como seda,
sentada no dorso de um magnífico animal. Embora não fosse um cavalo muito grande,
ainda assim era assustador; ia-se sacudindo e dando com os cascos no chão como se
estivesse prestes a arrancar a galope, quer eu conseguisse continuar montada
quer não. Abanando a cabeça, Alfonso debruçou-se do seu ruão para me afastar um
pouco os dedos, de maneira a que as rédeas ficassem folgadas entre os mesmos. Assim,
explicou ele. Firme, mas não tão firme que lhe firais a boca. E lembrai-vos de ficar
direita quando fordes a meio galope e de vos inclinardes para o galope. O Canela não é uma dessas mulas estúpidas que
vós e Beatriz costumais montar. É um puro-sangue árabe, digno de um califa. Têm
de sentir que quem o monta está sempre no comando da situação.
Endireitei as costas, assentando bem
as nádegas na sela de couro trabalhado. Sentia-me leve como um cardo. Embora estivesse
numa idade em que a maioria das raparigas começa a desenvolver-se, continuava tão
magra e com o peito tão liso que a minha amiga e dama de companhia Beatriz, a filha
de Bobadilla, estava sempre a tentar fazer-me comer mais. Naquele momento ela olhava-me
com apreensão, mantendo a sua figura bem mais curvilínea do que a minha tão
graciosamente direita sobre o seu capão malhado que era como se montasse a cavalo
desde sempre; sobre as suas feições aquilinas, um véu com fita prendia-lhe os
espessos cabelos pretos encaracolados. Suponho que Vossa Alteza se terá assegurado
de que esse vosso principesco ginete já foi convenientemente domado, disse ela a
Alfonso. Não queremos que nada de calamitoso aconteça à vossa irmã. É claro que
já foi domado. Eu mesmo e Chacón tratámos isso. Não vai acontecer nada a Isabel,
pois não, hermana?
Assenti, embora me visse dominada
por uma incerteza quase paralisante. Como podia eu querer mostrar àquele enorme
animal que era eu quem mandava? Como
se me tivesse lido os pensamentos, o Canela
empinou-se para um lado. Arquejante, puxei as rédeas. Ele parou com um resfolegar,
baixando as orelhas para trás, claramente desagradado com o puxão que eu lhe dera
no freio. O Alfonso piscou-me o olho. Vedes? Ela consegue dar conta dele. Olhou
para Beatriz. E vós, minha senhora, precisais de ajuda?, perguntou num tom brincalhão
que evocava anos de esgrima verbal com a obstinada filha única do administrador
do nosso castelo. Eu dou conta do recado, obrigada, replicou Beatriz, com acidez.
Na verdade, tanto Sua Alteza como eu ficaremos perfeitamente logo que nos
acostumemos a estes vossos corcéis mouros. Não esqueçais que já montámos antes,
ainda que, tal como dizeis, se tratasse apenas de esúpidas mulas. Rindo, Alfonso
fez o seu ruão voltar-se com destreza, apesar de ainda só ter dez anos. Os seus
brilhantes olhos azuis cintilaram; os seus espessos cabelos louros, cortados a direito
pelos ombros, realçavam-lhe o rosto redondo e bonito. E vós não deveis esquecer,
replicou então, que eu monto diariamente desde os cinco anos. Os bons cavaleiros
fazem-se com a experiência. É verdade, disse na sua voz cavernosa Chacón, o tutor
de Alfonso, do alto do seu enorme cavalo. O Infante Alfonso é já um hábil cavaleiro.
Para ele, montar é como respirar». In CW Gortner, O Juramento da Rainha, Isabel,
a Católica, 2012, tradução de Miguel Romeira, Topseller, 20/20 Editores, 2013,
ISBN 978-9879-862-627-1.
Cortesia de Topseller/JDACT