quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O Juramento da Rainha. Isabel, a Católica. CW Gortner. «Não queremos que nada de calamitoso aconteça à vossa irmã. É claro que já foi domado. Eu mesmo e Chacón tratámos isso. Não vai acontecer nada a Isabel, pois não, hermana?»

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A Infanta de Arévalo
«Segurai as rédeas com firmeza, Isabel. Não o deixeis sentir o vosso medo, senão ele vai achar que é ele quem manda e, então, tentará fazer-vos cair. Sentada sobre um elegante garanhão negro, assenti, segurando as rédeas com força. Conseguia sentir a rijeza do couro sob os dedos coçados das minhas luvas. Já tarde demais, arrependi-me de não ter deixado o pai de Beatriz, Pedro Bobadilla, oferecer-me umas luvas novas pelo meu décimo terceiro aniversário. O orgulho, um pecado que me esforçava muito por vencer, geralmente sem sucesso, não me deixara aceitar tal presente, porque isso seria admitir a nossa penúria, muito embora ele vivesse connosco, pelo que saberia perfeitamente até que ponto éramos pobres. O mesmo orgulho não me permitira recusar o desafio do meu irmão, que dizia que era tempo de eu aprender a montar um cavalo digno desse nome.
Por isso, ali estava eu sentada, com as mãos protegidas por umas velhas luvas de couro que pareciam finas como seda, sentada no dorso de um magnífico animal. Embora não fosse um cavalo muito grande, ainda assim era assustador; ia-se sacudindo e dando com os cascos no chão como se estivesse prestes a arrancar a galope, quer eu conseguisse continuar montada quer não. Abanando a cabeça, Alfonso debruçou-se do seu ruão para me afastar um pouco os dedos, de maneira a que as rédeas ficassem folgadas entre os mesmos. Assim, explicou ele. Firme, mas não tão firme que lhe firais a boca. E lembrai-vos de ficar direita quando fordes a meio galope e de vos inclinardes para o galope. O Canela não é uma dessas mulas estúpidas que vós e Beatriz costumais montar. É um puro-sangue árabe, digno de um califa. Têm de sentir que quem o monta está sempre no comando da situação.
Endireitei as costas, assentando bem as nádegas na sela de couro trabalhado. Sentia-me leve como um cardo. Embora estivesse numa idade em que a maioria das raparigas começa a desenvolver-se, continuava tão magra e com o peito tão liso que a minha amiga e dama de companhia Beatriz, a filha de Bobadilla, estava sempre a tentar fazer-me comer mais. Naquele momento ela olhava-me com apreensão, mantendo a sua figura bem mais curvilínea do que a minha tão graciosamente direita sobre o seu capão malhado que era como se montasse a cavalo desde sempre; sobre as suas feições aquilinas, um véu com fita prendia-lhe os espessos cabelos pretos encaracolados. Suponho que Vossa Alteza se terá assegurado de que esse vosso principesco ginete já foi convenientemente domado, disse ela a Alfonso. Não queremos que nada de calamitoso aconteça à vossa irmã. É claro que já foi domado. Eu mesmo e Chacón tratámos isso. Não vai acontecer nada a Isabel, pois não, hermana?
Assenti, embora me visse dominada por uma incerteza quase paralisante. Como podia eu querer mostrar àquele enorme animal que era eu quem mandava? Como se me tivesse lido os pensamentos, o Canela empinou-se para um lado. Arquejante, puxei as rédeas. Ele parou com um resfolegar, baixando as orelhas para trás, claramente desagradado com o puxão que eu lhe dera no freio. O Alfonso piscou-me o olho. Vedes? Ela consegue dar conta dele. Olhou para Beatriz. E vós, minha senhora, precisais de ajuda?, perguntou num tom brincalhão que evocava anos de esgrima verbal com a obstinada filha única do administrador do nosso castelo. Eu dou conta do recado, obrigada, replicou Beatriz, com acidez. Na verdade, tanto Sua Alteza como eu ficaremos perfeitamente logo que nos acostumemos a estes vossos corcéis mouros. Não esqueçais que já montámos antes, ainda que, tal como dizeis, se tratasse apenas de esúpidas mulas. Rindo, Alfonso fez o seu ruão voltar-se com destreza, apesar de ainda só ter dez anos. Os seus brilhantes olhos azuis cintilaram; os seus espessos cabelos louros, cortados a direito pelos ombros, realçavam-lhe o rosto redondo e bonito. E vós não deveis esquecer, replicou então, que eu monto diariamente desde os cinco anos. Os bons cavaleiros fazem-se com a experiência. É verdade, disse na sua voz cavernosa Chacón, o tutor de Alfonso, do alto do seu enorme cavalo. O Infante Alfonso é já um hábil cavaleiro. Para ele, montar é como respirar». In CW Gortner, O Juramento da Rainha, Isabel, a Católica, 2012, tradução de Miguel Romeira, Topseller, 20/20 Editores, 2013, ISBN 978-9879-862-627-1.

Cortesia de Topseller/JDACT