«Estendia a mão e tocava aquele corpo
quase púbere, de seios apesar de tudo cheios e subidos, de mamilos praticamente
lilases, sempre prontos a arrepiarem-se, a endurecerem e apertarem-se como certas
flores. O púbis era quase inexistente, de pêlos encarapinhados mas raros, a deixarem
perceber a pele por baixo, a deixarem ver mais do que a adivinhar os lábios carnudos
mas curtos e muito fechados, como os de uma menina. Era como uma menina quando fechava
os olhos e encostava a cabeça ao seu ombro magro. Repeli-a. Repeli-a sempre numa
espécie de repugnância. E nunca tirara nenhum prazer do seu corpo, mas antes
aquela náusea e aquele vómito contido. Ela calava-se, esquecia tudo isso, inventava
doenças terríveis para a comover e demover da distância. Da indiferença.
Passava-lhe as mãos pelo cabelo liso
à força de óleos desfrisantes e, às vezes, lamentava aquela distância que não
podia nem queria quebrar. Ela olhava-a, fixamente, com aquele reparar líquido nos
olhos castanhos. Com aquela ardência que evitava entender. E tornava a inventar
males, médicos, análises, tragédias inevitáveis com prazos imediatos de morte. Beijava-lhe
então os lábios escuros, levemente arroxeados por dentro, perto das gengivas. Sentia-lhe
o gosto a fruto, a erva seca, e recuava a língua, a fugir já, a pôr fim àquele envolvimento
que lhe repugnava. Do qual não tirava nenhum gosto: apenas um incómodo entornado
no coração. Será preferível matar-me, ouvira-a dizer uma vez e rira-se sem susto,
não só porque não acreditava, na ameaça, mas também porque não teria desgosto
algum caso ela se matasse. Então, Adele, chamava-se Adele porque a mãe admirava
a filha de Victot Hugo e adorava Truffaut, contava-lhe que se deitava com homens
que agarrava sem escolher e a quem se entregava com prazer e gozo. O que importava
isso a Constança?
À noite na cama Constança
aproximava-se, colava-se rente ao corpo quente de Henrique, tocava-lhe no peito
liso, nas ancas magras, no púbis grande e largo, até o acordar e rebolarem juntos
nos lençóis revolvidos pelo sono. Era o lugar de que esteio? As ancas estreitas
e duras, aquele olhar sem piedade nem remédio que o escuro do quarto devorava mas
ela conhecia tão bem; tão perto da maldade. Às vezes acordava de madrugada e ficava
horas debruçada sobre ele, a respirar-lhe o cheiro. A beber-lhe o hálito. A lamber-lhe
os ombros até ele acordar e a abraçar, entrar nela e se virem os dois ao mesmo
tempo. Numa pressa. Num desatino. Encharcados em suor. Em seguida adormecia de um
golpe, como morta; quando acordava, não se lembrava nada do que sonhara. Ainda de
olhos fechados, tacteando, procurava-lhe o sítio para ir aninhar o corpo lá, no
espaço que ele deixara vazio.
E quando manhã alta os filhos entravam
pelo quarto, olhava-os com estranheza. Constança pensava neles sempre admirada
de os ter gerado e parido. Logo de seguida abraçava-os, arrependida desses pensamentos.
Arrebatada, empurrava-os para a colo e tentava fazê-los esquecer as suas ausências,
mesmo quando estava em casa. Parecia-lhe então que nada mais importava…, ali tão
perfeitos, à sua beira. Constança ainda não entendera como conseguira fazer filhos
perfeitos. Quando eles eram bebés, ficara muito tempo a contar-lhes os pequenos
dedos, um por um, rejubilando perante a evidência de nenhum faltar. Durante a
gravidez do primeiro, sonhara que ele nascera sem nariz e que o pai, de bata
branca, se aproximara e dissera apenas: … já estava à espera. Acordara num
grito». In Maria Teresa Horta, A Paixão segundo Constança H., 1994, Bertrand
Editora, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-252-242-7.
Cortesia
de BertrandE/JDACT