Uma
proposta de Análise Histórico-Historiográfica
«(…) Ainda em 1962, Joaquim Veríssimo Serrão
publicou a História Breve da Historiografia Portuguesa, que constitui
essencialmente uma recolha de nomes, de personalidades e de obras, uma
inventariação com fins descritivos, na qual quaisquer intuitos de
problematização e interpretação resultam subalternos. O mesmo diagnóstico
repercute-se e pode ser aplicado num estudo que começou a ser dado à estampa
dez anos volvidos, intitulado A Historiografia Portuguesa: Doutrina e
Crítica, no qual o autor apresenta, em três volumes uma panorâmica
diacrónica da Historiografia Portuguesa, portadora de um aparato erudito mais
vincado do que o patente no trabalho anterior. Em 1963, António Silva Rego
publicou um trabalho essencialmente de cariz metodológico e pedagógico,
intitulado Lições de Metodologia e Crítica Histórica. Por seu turno,
numa linha bem diferente da exposta nas linhas precedentes, assente na
problematização e na inspiração extraída dos Annales, mormente da História Nova, Magalhães
Godinho, nos seus Ensaios III, publicados em 1971,
deu sequência a importantes contributos anteriores de sua lavra e traçou, de
forma original, as directrizes da Historiografia Portuguesa, republicando
vários artigos, entre os quais pontifica o estudo Historiografia Portuguesa
do Século XX, orientações problemas e perspectivas, dado à estampa pela
primeira vez em 1955 e que
constituiu uma fonte de inspiração para nós, dado que configura um dos
primeiros trabalhos empíricos na área da História da Historiografia, dedicado
aos historiadores e suas obras, da autoria de um cultor de Clio profissional. A reflexão historiográfica em Portugal deve
muito a Vitorino Magalhães Godinho e aos diversos trabalhos que lhe devotou,
praticando nos três volumes dos Ensaios, uma historiografia total,
problematizante, aberta à interdisciplinaridade com a geografia, a economia ou
a sociologia, incrementando a história da ciência e da técnica, mas também a
das mentalidades, sem esquecer uma empatia pelo tempo presente, incentivando
uma nova erudição, conferindo destaque a historiadores dos Descobrimentos, a
sua época de estudo de eleição durante a maior parte do seu trajecto
intelectual, como Duarte Leite. No terceiro volume dos Ensaios comparecem
alguns artigos previamente publicados no Dicionário da História de Portugal,
dirigido por Joel Serrão. Na primeira parte deste estudo, subordinada à Crise
da História e suas novas diretrizes, são abordados temas como; a história
humana e a história natural; a história e a geografia; a história económica e
social; história da técnica, civilização e vida mental e história da cultura.
Na segunda parte, Magalhães Godinho debruça-se sobre diversos historiadores
como Duarte Leite, Jaime Cortesão e Veiga Simões.
Em 1974, precisamente no ano da Revolução de Abril, A.H.
de Oliveira Marques publicou uma obra que a revisão bibliográfica não
pode esquecer, ou pôr de parte, um contributo estruturante, basilar e
indispensável; a Antologia de Historiografia Portuguesa. Este trabalho
aposta na apresentação de diversos historiadores portugueses, através da
pesquisa e publicação de excertos significativos dos seus textos. Essa recolha
não é aleatória e percorre cronologicamente momentos significativos do
pensamento historiográfico português, tal como os posteriores Ensaios de
Historiografia Portuguesa. As duas
obras possuem uma introdução comum, na qual Oliveira Marques lamenta a escassez
de trabalhos de História da Historiografia publicados em Portugal. O
primeiro trabalho referido é uma selecta, em dois volumes, de textos
considerados significativos de historiadores de várias épocas até ao dealbar do
século XX. Nas suas escolhas nota-se o respeito de Oliveira Marques pela
historicidade das práticas historiográficas que colige, eximindo-se a fazer
interpretações explícitas sobre os excertos transcritos. Nota-se que o
historiador salvaguarda a objectividade e identidade dos materiais
selecionados. Esta selecção não é aleatória e permite aos leitores potenciais
encetar novas investigações, estimulando-as.
No segundo trabalho citado, o
autor reúne estudos vários de história da historiografia escritos entre 1960 e 1985, nos quais prolonga o tipo de prática historiográfica que
acabámos de enunciar. Congrega, por exemplo, documentos sobre os primórdios da
Faculdade de Letras de Lisboa, o magistério de Vieira Almeida, a historiografia
regionalista na época do Abade de Baçal, entre outros temas, tais como uma
aproximação às biografias de Fernão Lopes, de Jaime Cortesão e António Sérgio, todas
indicadoras de uma linhagem metodológica e ideológica respeitada por Oliveira Marques,
seguidor de uma análise crítica e empírica de fontes, avesso a lucubrações e
especulações filosóficas abstractas. O esboço biográfico sobre Francisco Vieira
Almeida pretende conferir destaque a uma personalidade que foi alvo da
denunciada censura salazarista.
Em
1976, fortemente influenciado e
marcado pelo marxismo e pelo materialismo dialéctico, Joaquim Barradas
Carvalho publicou um estudo intitulado Da Crónica Histórica à História
Ciência. No ano de 1982, Daniel Sousa, publicou um
trabalho essencialmente filosófico, intitulado Teoria da História e do
Conhecimento Histórico. Trata-se de um texto que pretende distinguir as
várias acepções de Teoria da História, desde as que a identificam com a
reflexão sobre o conhecimento científico e seus limites, até às que a aparentam
com um exercício sobre o sentido da existência. No primeiro caso, ressalta-se o
processo de autonomização da História como ciência do espírito face às ciências
da natureza, prodigalizada na Alemanha na segunda metade do século XIX por autores
como Dilthey, Wildeband, Droysen ou Rickert. Quanto à abordagem especulativa,
Daniel Sousa confere bastante espaço ao marxismo e ao materialismo dialéctico.
No mesmo ano surgiu outro trabalho também de natureza pedagógico-didáctica, mas
dotado de uma perspectiva ideológica bem diversa. Trata-se de Teorias sobre
a História, da autoria de Filipe Rocha, personalidade ligada à Faculdade de
Filosofia da Universidade Católica de Braga, que construiu uma espécie de
manual para poder ser lido pelos alunos, dividido em três partes: a primeira, dedicada
à diacronia das Teorias sobre a História, entendidas estas como conhecimento
histórico; a segunda, subordinada às dinâmicas de foro existencial, que contemplam
uma dimensão metafísica, na qual a indagação de Deus e da transcendência não
está ausente. Num terceiro momento, o autor procura descrever os instrumentos
conceptuais ao dispor do historiador na construção crítico-reflexiva de um conhecimento
científico de natureza disciplinar. Esses instrumentos são, por exemplo, a
explicação, a causalidade ou o tempo histórico. Este andamento é o mais útil à
nossa pesquisa, mas Filipe Rocha parece não se contentar com o apuramento, a construção
e interpretação de factos positivos, embora os considere imprescindíveis». In Nuno
Miguel M. B. Moreira, A Revista de História (1912-1928), Uma Proposta de
Análise Histórico-Historiográfica, Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto,
Dissertação de Doutoramento em História, 2012.
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