«(…) O Budismo continua assim a
ser apresentado como um meio de libertação que implica a negação da vida,
como o acto da extinção duma chama soprando, como uma filosofia de
aniquilamento proposta para seres além de todo o humano. A filosofia da
saudade, junto do Atlântico, contrapolarmente realizaria e proporia a
total aceitação da realidade do humano, mas ultrapassado na exigência cristã:
por sua assunpção: e que ainda nela, por ela, levará consigo a Natureza toda.
Refira-se que a abordagem da tradição budista é, na obra de Dalila, elemento de
um périplo porventura inspirado pela reflexão de Leonardo Coimbra.
Dalila percorre assim Hinduísmo, orfismo, pitagorismo, platonismo e outras
correntes salvíficas, destacando o que nelas haja de afim ou contrapolar da
proposta de libertação que a Saudade encerra. Este Périplo move-se de leste
para oeste, ou do Extremo-Oriente pelo Mediterrâneo até à Ocidental Praia
Lusitana.
Pretendendo resolver a tensão que
o seu pensamento denota, Dalila acaba por sintetizar, de forma ambígua, que
entre o Budismo e a saudade haveria um processo realizado por oposição e
semelhança, um processo de ultrapassamento e maturação do homem e, com ele, da
natureza. Dalila encontra assim um mesmo veio, ou fio vindo do Oriente,
detectável e possível de seguir, que aqui no solo extremo galaico-português teria
atingido uma acuidade ou uma perfeição derradeira, mas infinitamente aberta,
futurante. Assim, depois do Budismo do Extremo Oriente, lentamente
através do Continente, se afirmaria um ser intacto, que perdura e subsiste
através de várias formas assumidas na manifestação, e que se lembra de si: na
memória, reatando momento a momento, existência a existência, a cadeia indivisa
de sua imortalidade, na vida de na morte. Desde lá atrás, dos gregos, na
reminiscência, até ao povo galaico-português, na saudade».
Dalila começa por reconhecer um
processo de oposição-semelhança mas termina por apontar no extremo do ocaso
ocidental uma resolução da oposição do problema posto no outro extremo do nascente.
O Mediterrâneo, o franciscanismo e a teoria portuguesa da saudade são
apresentados como os lugares onde o vazio, como niilismo e aniquilamento, será
por fim abandonado e desfeito. Seria então agora o momento de reatar,
depois de quatro séculos de suspensão e ocultamento, um processo de
união entre os dois extremos da Eurásia. Seria assim o momento de reintegração
de Oriente e Ocidente, o que, para os cristãos herméticos ou místicos
poderia ter sido visto como uma realização da Grande Obra. Apontaríamos
a Dalila Pereira Costa, contudo, uma lacuna no cumprimento do seu próprio
projecto, lacuna aliás facilmente compreensível por contingências histórico-culturais
e pela grandeza do desafio a que se propôs. Imputámos a Dalila uma certa
incompreensão da tradição budista, ao identificá-la com o niilismo e ao propor
a sua superação mediante a adopção de um eternalismo ou substancialismo que lhe
é correlativo e contrapolar. Por outro lado, reconhecemos nela um ecumenismo
genuíno e o valor de ter compreendido que aquilo a que se tem chamado o
pensamento oriental e budista constituem chaves, por confrontação e analogia,
de autoconhecimento do Ocidente e, peculiarmente, da cultura portuguesa, chaves
de cotejo com alguns temas a que nos habituámos a considerar ocidentais. Assim,
seria o momento de retomar os estudos orientais tendo presente o enorme acervo
ainda intratado de documentação portuguesa respeitante ao tema. Dalila cita as
tradições orientais a partir de contemporâneos trabalhos de divulgação
ocidental. Na impossibilidade de consultar as fontes directas e distante do
contacto tradicional com mestres que lhe poderiam esclarecer o alcance e o
sentido, Dalila poderia ter procurado o que os pioneiros viajantes portugueses do
Século XV, XVI e XVII do Budismo disseram. É-nos dado crer que do aturado estudo
de tais fontes, hoje praticamente, esquecidas, provirá um muito proveitoso conhecimento
do que foi realmente o encontro histórico de culturas e o contexto
original do que foi e tem sido a (in-)compreensão ocidental das tradições do
Oriente». In Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da Costa,
Estudos, Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista
Lusófona de Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.
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