sábado, 3 de outubro de 2015

José Ferreira Almeida. Abílio P. Lemos. «… a sua breve existência e o seu exemplo mostraram bem que o destino, até o fim, as forjara e fundira num todo único; uma vincada personalidade…»

jdact

Recordação
«Desde muito pequeno lhe acompanhei os passos na existência, que o destino mandou fosse curta mas plena, e reveladora do que ele valia. Criança, adolescente, e homem: estas imagens sucessivas e sobrepostas, que evoco com pungente saudade, avivam-se em mim na dolorosa recordação desse magnífico rapaz que não se limitou a ser exemplar na vida transitória e efémera, mas que a morte escolheu para dar testemunho de si às gerações que hão-de seguir. Herdara, com o sangue e tradição daqueles donde provinha, o sentido do dever: dever para com os seus, traduzido no afecto que lhes votava; dever para com a sociedade, ilustrando o seu nome ao longo duma brilhante carreira universitária; dever para com a Pátria, oferecendo-lhe com entusiasmo a sua própria vida. Por desígnio dos fados e vontade própria, nele se misturavam, o que não é frequente, em balanço equilibrado, inteligência e acção. E não era apenas o conhecimento aprofundado dos seus estudos escolares que o ocupava: a sua curiosidade estava sempre largamente aberta a todas as coisas do espírito, e não só àquelas que a tradição tinha cristalizado, mas igualmente às novas audácias e aventuras do entendimento. Ainda recordo a impressão que me fez, numa das minhas vindas a Lisboa, o ouvi-lo falar, com firmeza e à-vontade, da pintura abstracta, então no seu auge, e da literatura moderna, tão carregada de tintas filosóficas, que começa a ser difícil definir-lhe as fronteiras com a arte. De tudo isso falámos: ele com entusiasmo, eu com o espanto que sempre causa o ver aqueles que conhecemos nas primeiras letras, transformados em gente grande e nossos iguais na apreciação dos homens e das coisas. Porém esta abertura de espírito e ilimitada curiosidade, não era expressão, como tantas vezes acontece, dum mole e confortável cepticismo que viaja através das múltiplas concepções e ideias por puro divertimento intelectual, sem se fixar ou definir. E aí é que aparece o homem de acção, que necessita de fazer escolha e de encontrar certezas. E ele tinha essas certezas; caminhava esclarecido por um ideal, em que se misturava a herança sempre renovada do que foi e a esperança do que há-de ser. É esse o segredo e a explicação dum sacrifício, que as suas virtudes exaltaram na hora derradeira. A inteligência e a acção não viviam em compartimentos separados: a sua breve existência e o seu exemplo mostraram bem que o destino, até o fim, as forjara e fundira num todo único; uma vincada personalidade, que todos nós, os seus amigos, evocamos com ternura e devoção; e a dor de ver partir tão cedo e tão inesperadamente a sua gentil e prometedora mocidade da terra dos homens, que, embora em tão curto trânsito, o José Almeida ainda teve tempo de enriquecer com o fecundo exemplo da sua vida. Neste mundo de lágrimas, ligeiramente entrecortado de pequenas alegrias, ele cumpriu: viveu pouco, mas foi fiel aos que o precederam, porque os honrou e os seguiu». In Abílio Pinto Lemos, Roma, Junho de 1967, José Carlos Godinho Ferreira Almeida, In Memoriam, Vários Autores, Neogravura1968.

Cortesia de Memoriam/Neogravura/JDACT