Arquitectura e Urbanismo em Portugal e na Europa. Contextualização
Histórica
«(…) Como pano de fundo
temos a doutrina Iluminista, nascida ainda no século XVII, progressivamente
aceite até pelos regimes mais despóticos, vendo-se os monarcas no papel de
protectores do povo desfavorecido. A felicidade dos povos era o objectivo
último. O ambiente das Luzes
viu nascer filósofos como Voltaire, Montesquieu e Diderot que vão
criticar a Igreja e a Nobreza. Às ideias obscuras contrapõem-se valores como a
racionalidade e a ciência, ao serviço de todos os cidadãos, numa sociedade
iluminada. Os ventos da mudança chegaram também ao nosso país. Desde a
Restauração que se vinha observando igualmente por cá um processo de
concentração do poder governativo na figura régia, que culminou no reinado de
João V e que teria continuidade no reinado subsequente, de José I, ainda que na
figura do seu ministro, o marquês de Pombal. No decorrer dos três reinados
anteriores, os monarcas esforçaram-se por legitimar a sua posição, sobretudo relativamente
a Espanha, mas também face às outras nações europeias. E medidas adoptadas
levaram a uma cada vez maior centralização do poder. Necessariamente, tudo o que
pusesse em causa esse poder foi combatido. Foi o caso das Cortes, que reuniram
pela última vez em 1697-1698, no governo de Pedro II.
No governo de João V, a
prosperidade económica embora dependente das relações com a Inglaterra,
granjeou ao país o prestígio tão almejado, entre os seus pares. Foi um período
de intensas relações com Roma, tendo o rei conseguido variados privilégios. Por
outro lado, o ouro do Brasil trouxe uma certa ostentação à corte,
interessando-se o rei pela arte e pela literatura e construindo-se numerosas
obras demonstrando a capacidade económica do reino. Exemplos conclusivos são o
do palácio-convento de Mafra e o Aqueduto das Águas Livres. Politicamente,
o governo por concelhos foi utilizado até este reinado, mas a partir daí foi
posto de parte. Em 1736 foi levada a
cabo uma reforma administrativa que colocou o poder numa junta de três
secretários, presidida pelo rei. O poder é cada vez mais centralizado na figura
do monarca.
A figura forte do
reinado de José I foi o ministro Sebastião J. C. Melo, conde de Oeiras em 1759 e marquês de Pombal em 1770. Foi o terramoto de 1755 que contribuiu definitivamente para
revelar as suas capacidades governativas. A sua perseguição a todos quantos se
opusessem ao seu governo (sobretudo a alta nobreza e os Jesuítas) levaram-no a procurar
apoio nas camadas mais baixas da nobreza e do clero, assim como na ascendente burguesia
e na classe dos burocratas. O caso da Companhia de Jesus é representativo do declínio
da autoridade da Igreja. O seu poder dentro do próprio Estado, revelou-se
fatal. Foi duramente atacada e expulsa por Pombal do nosso país, e mais tarde,
sob sua pressão, da França e Espanha, acabando por sofrer extinção definitiva
em 1773. A Inquisição (maldita) assistiu também ao seu fim por causas
idênticas: foi transformada num tribunal dependente do Estado em 1769. Qualquer organismo com autoridade
suficiente para pôr em causa o rei não tinha lugar nestes novos tempos.
Portugal atravessava
entretanto uma crise económica, agravada pelo envolvimento, tornado inevitável,
na Guerra dos Sete Anos, que encontrou o país muito desorganizado em
termos militares. Por outro lado, a forte recessão não é alheia à crescente
escassez de ouro brasileiro. Urgia tornar o país competitivo e baixar as
importações. Todos estes factores levaram o ministro a fomentar variadas
reformas no Reino, a nível geral, eclesiástica, militar, económica, muitas
delas inspiradas nas experiências de outros países europeus, importadas para
Portugal por mão dos estrangeirados. A par disso melhorou a colecta de
impostos, para rapidamente encher os cofres estatais. O marquês de Pombal
instituiu em 1760 a Intendência
Geral da Polícia da Corte e do Reino, reformando a polícia. Esta foi um
instrumento fundamental para fortalecer o regime despótico, reprimindo quem se
opunha ao seu poder. O longo processo da instalação do poder absoluto chega
aqui ao seu auge, com o despotismo personificado no marquês de Pombal.
O absolutismo
tradicional proclamava a subordinação do monarca aos costumes do País (lei
comum), às leis naturais, às leis de Deus conforme a interpretação da Igreja, e
às leis que o próprio rei (e seus antepassados) promulgara para a nação. O
despotismo vinha proclamar que usos e costumes não desempenhavam qualquer
papel; defender o princípio de que as leis naturais eram interpretadas pelo
soberano e de que as leis de Deus estavam depositadas no próprio rei, incluindo
a submissão da Igreja à sua vontade; e, finalmente, negar que as leis do reino
obrigassem o monarca.
[…]
In Cátia Gonçalves Marques,
Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
Cortesia de FCTUC/JDACT