O
Nome Maldito
«(…).Causou-lhes
estranheza a recepção fria que o rei lhes dispensou quando foram ao Paço, logo
depois da sua chegada. Não poupou agradecimentos pelo modo como o vice-rei
desempenhara a sua missão, mas havia algo de reservado no seu tom, e a recepção
não contou com a presença de outros membros da grande nobreza, mais parecendo
uma reunião secreta. Também lhes fez espécie a autoridade que o rei delegara
num seu ministro, que viam naquele momento pela primeira vez. Era um homem
baixo (seria), com uma cara dura e séria onde bailavam dois olhos muito vivos.
Falava devagar e, afectando simpatia, anunciou ao marquês que era da sua
competência, como secretário da Guerra, comunicar-lhe que estava graduado a
partir de então como inspector-geral da arma de Cavalaria dos Exércitos d’El-Rei,
pedindo-lhe ainda para lhe comunicar o que tinha custado à sua casa a missão na
Índia para ele poder aconselhar ao soberano a maneira mais justa de o
compensar. Tratava-se de Sebastião José Carvalho Melo. Só depois vieram a aperceber-se
do imenso poder que José I havia delegado nele ao longo do tempo que tinham
passado na Índia.
Igual
frieza sentiram da parte da rainha quando a cumprimentaram e que contrastava
com a confiança e a amizade que lhes dispensava antes de partirem para o
Oriente. Que teria ensombrado as
relações dos Távoras com a família real? Chegara-lhes aos ouvidos um
boato acerca do comportamento da mulher do marquês novo durante a sua ausência
em terras da Índia. Podia não ter fundamento e ser mais um dos muitos que nasciam
no seio de uma sociedade que se comprazia com a má-língua e as intrigas.
Contudo, depois da chegada, o boato transformara-se em dolorosa certeza:
pouco depois da saída de Luís Bernardo, ela sucumbira aos rodeios amorosos do
rei, transformando-se na sua favorita, numa relação que já nada tinha de
secreta. O facto, que para outros de nascimento mais modesto teria
constituído quase uma honra ou pelo menos uma oportunidade de melhorar a vida,
foi uma afronta para aqueles orgulhosos fidalgos, que olhavam o rei como um
igual. Amigos e parentes não deixaram de espicaçar nos Távoras o orgulho
ferido, levando o marquês, num assomo de orgulho, a recusar pedir a quem
ofendia a honra da família as compensações a que normalmente teria direito pela
sua comissão como vice-rei.
Mas o pior estava ainda para vir. O rei não
gostou de saber que o marido enganado queria repudiar a mulher e tratava já da
anulação do casamento. Chamando os marqueses à sua presença manifestou-lhes o
desejo de ver o filho deles retomar a vida conjugal, ao que estes reagiram com
energia, proferindo a marquesa palavras duras que um rei não podia suportar sem
ofensa. Não obstante, José I ainda mandou fazer uma diligência. Desta vez através
do seu ministro Carvalho Melo, o qual lhes mandou um emissário prometendo
recompensas se conseguissem convencer o filho a, pelo menos, fingir que a
normalidade voltava à sua casa. Ora também já alguém os informara de ter sido o
novo ministro um dos que favorecera e facilitara os amores clandestinos do rei.
Ainda mais vexados, os Távoras responderam de maneira desabrida, mandando dizer
que se via bem a pouca nobreza de quem fazia tal proposta, pois, caso
contrário, saberia que a honra de um fidalgo não tem preço. À frieza como o rei passara a tratar os
Távoras juntou-se a partir de então o ódio de Carvalho Melo.
Tremor na Terra.
Terramoto dos Homens
Na
manhã do dia primeiro de Novembro de 1755,
ainda Pedro não tinha dois anos, a cidade tremeu. Durante minutos,
com um ruído arrepiante e quase sobrenatural vindo das profundezas, a terra
tremeu. Palácios, casas humildes e igrejas apinhadas de gente ruíram sepultando
os seus ocupantes. Os sobreviventes, atarantados, viram atear-se incêndios sem
conta, enquanto a zona ribeirinha era atingida por uma onda gigante que no
refluxo arrastou para o fundo do Tejo milhares de pessoas. O palácio dos
Alornas, por trás da Sé, também sofreu. Pedro foi tirado de casa pela ama,
ou a criada de quarto, que fugiu, esbaforida, para a rua. O pai também saiu
logo, mas não vendo mais ninguém, voltou atrás. Teve de forçar a mulher a sair,
pois esta por pejo não queria sair para a rua em traje de dormir. Enquanto a
filha Leonor entretanto escapava porta fora, João teve de salvar
Maria, de forma tão apertada que sempre se disse que fora por milagre. A
biblioteca, um dos haveres mais queridos de João, cheia de raridades,
foi na maior parte destruída naquele dia negro, juntamente com pratas, móveis e
outros tesouros». In José Norton, O Último Távora, Publicações dom Quixote, Livros de
Hoje, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-203-398-5.
Cortesia
PdomQuixote/JDACT