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Quando o herdeiro atingia a maioridade, a sorte podia ser generosa para com a
sua mãe e permitir-lhe ter um futuro com mais abertas do que nuvens. Mas como,
por vezes, quando ele atingia a idade adulta era o pai ainda novo, começava a manifestar
desejos de independência, ou, pior ainda, ambições de poder, que colocavam a
mãe em graves dificuldades. Se a rainha se colocava claramente ao lado do
filho, tinha de preparar-se para enfrentar o marido, ou, pior ainda, o seu valido,
sempre disposto a actuar de forma menos escrupulosa do que a que se exige a um
monarca. No caso de tentar opor-se abertamente às aspirações do filho, o que
era compreensível quando o filho provocava muita perturbação, devia considerar
as possíveis consequências quando o marido morresse e ela ficasse viúva, à
mercê do novo rei. Na realidade, só com a chega da viuvez se podia ver se uma infanta
portuguesa, rainha num país estrangeiro, tinha sabido actuar com inteligência e
prudência. Uma rainha-mãe tinha, em teoria, assegurado o respeito do filho,
pois de uma forma geral no testamento o monarca costumava ser muito explícito
ao exigir-lhe certas obrigações que a sua honra real os fazia respeitar.
Contudo, nem todos os reis tiveram tanta honra quanta deveriam ter, nem os
filhos mais fiéis e respeitosos estiveram livres, algumas vezes, de outras
condicionantes. Quando uma rainha ficava viúva, não era raro o filho estar já
casado, pelo que passava então ela a ser sogra. E então tinha de enfrentar problemas
opostos aos que tinha enfrentado quando chegara ao reino.
O
seu êxito dependia em parte de ter sabido ganhar, com antecedência, o respeito
da família do marido e dos membros mais importantes da corte. E houve casos em
que uma esposa jovem soube conseguir o apoio quase incondicional do seu apaixonado
marido, ou dos parentes dele, ou de certos cortesãos importantes, em desfavor
da rainha viúva. Por isso deviam as rainhas, quando tinham filhos, ser muito hábeis
na altura de se concertarem as bodas. Participar na escolha das suas futuras noras
dava-lhes, em princípio, à possibilidade de a
posteriori influir nelas. Quando nascia o primeiro neto, de um modo geral a
rainha-mãe começava a considerar a sua saída de cena. Se tivesse sido prudente,
e a maioria conseguiu sê-lo, depois de uma vida cheia de incertezas conseguia
agora ter alguma segurança nas matérias que considerava mais importantes. Numa
época em que a religião tinha uma grande importância, mesmo para os maiores
pecadores, as questões relacionadas com a fé representaram para as rainhas
consortes um enorme consolo, por isso as disposições religiosas ocupavam um
lugar tão importante nos seus testamentos.
Até
ao século XIX, isso permitiria às infantas portuguesas que chegaram a rainhas
de Espanha dedicarem-se a uma importante tarefa fundacional ou, na falta dela,
à de protecção de conventos e igrejas. Os mosteiros que fundaram ou protegeram
estavam relacionados, no caso das primeiras infantas, quase sempre com a ordem
de Cister, vinculada desde as suas origens à casa de Borgonha, a que elas pertenciam,
e depois a outras ordens religiosas, como a dos Jerónimos, muito perto das
infantas da dinastia de Avis. Depois de um longo período de esperanças que se
não concretizaram, de ilusões perdidas e de traições inesperadas, os seus
frágeis ossos eram colocados em esplêndidos edifícios ou monumentos
relacionados com essas ordens. Mas também não se podia excluir que uma
conjuntura contrária no momento da morte de uma rainha pudesse levar ao
desaparecimento do seu sepulcro. No século XIII houve o caso de uma infanta portuguesa,
rainha de Leão, da qual se ignora o local onde estão os seus restos mortais. E
o mesmo ocorreria, séculos depois, com os de Joana de Portugal, desventurada
mãe da Excelente Senhora, perdidos durante uma restruturação do templo
onde repousavam. As três infantas portuguesas que se tornaram rainhas de
Espanha depois de Joana de Portugal tiveram pelo menos o consolo de o seu nome
ficar unido ao de certos artistas, a alguns edifícios de valor ou a instituições
de altíssimo nível, Ticiano, Scarlatti, o mosteiro das Salesas Reales de
Madrid, o Museu do Prado, o que possibilita que sejam hoje recordadas
inclusivamente por pessoas que não se interessam pela monarquia portuguesa ou
pela história tout court». In
Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de
Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.
Cortesia
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