Poema da despedida
Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo.
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo»
Abril de 1984
Ave
«Seria um pássaro
No sono das asas
ondulava
toda a solidão do céu
Terrestre,
só a fugitiva sombra
Paisagem nenhuma
lhe dava abrigo
Pousado,
o corpo
de si mesmo se exilava
Nos ensinava
a deslumbrância da viagem
a nós que só na morte
olharemos os céus de frente»
Junho de 1987
Poema mestiço
«Escrevo mediterrâneo
na serena voz do Índico
Sangro norte
em coração do sul
Na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo
Hei-de
começar mais tarde
Por ora
sou a pegada
do passo por acontecer»
Janeiro de 1985
Poemas de Mia Couto, in ‘Raiz
de Orvalho-Poesia’
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