A
Cidade sem Nós
«(…) Junte-se a isto as condutas
de água dos anos 30 que se rompem frequentemente, e a única coisa que tem
evitado que Nova Iorque já tenha sido inundada é a incessante vigilância das
suas equipas do metropolitano e 753 bombas. Pensemos nestas bombas: o sistema de
metropolitano de Nova Iorque, uma maravilha de engenharia em 1903, foi feito por baixo de uma cidade
já bastante desenvolvida. Como essa cidade já tinha esgotos, o único sítio por onde
o metropolitano podia passar era debaixo deles. Assim, explica Schuber, temos
de bombear para cima. Nisto, Nova Iorque não está sozinha: cidades como
Londres, Moscovo e Washington construíram os seus metropolitanos muito mais
fundo, muitas vezes para também funcionarem como abrigos contra
bombardeamentos. Neles reside um grande potencial para o desastre. Protegendo
os olhos com o seu chapéu branco, Schuber desce para um poço quadrado sob a
estação da Avenida Van Siclen, em Brooklyn, onde a cada minuto 2600 litros de
água subterrânea natural emergem do leito de pedra. Gesticulando em direcção à
ruidosa cascata, indica quatro bombas de aço submersíveis que trabalham por
turnos contra a gravidade. Tais bombas trabalham a electricidade. Quando a
corrente falha, as coisas podem tornar-se muito rapidamente difíceis. A
seguir ao ataque ao World Trade Center, uma bomba de emergência num comboio,
ligada a um gigantesco gerador portátil a diesel, bombeou 27 vezes o
equivalente do Estádio Shea. Se o rio Hudson irrompesse no interior dos túneis ferroviários path que ligam os túneis de metro de Nova Iorque
a New Jersey, como esteve quase para acontecer, o comboio, e a maior parte da
cidade ficariam submersos. Numa cidade abandonada, não haveria ninguém como
Paul Schuber e Peter Briffa que corresse de estação inundada em estação inundada
de cada vez que caem mais de 50 mm (l/m2)
de chuva como tem ultimamente acontecido com perturbadora frequência,
estendendo, por vezes, mangueiras escadas acima para bombear a água para um esgoto
noutro ponto da rua, outras, navegando em barcos de borracha ao longo dos túneis.
Mas, sem pessoas, também não haveria energia. Às bombas parariam, e assim ficariam.
Quando esta instalação de bombas pára,
diz Schuber, ao fim de meia hora a água
atinge um nível tal que os comboios já não podem passar.
Brifla retira os óculos de protecção
e esfrega os olhos. Uma inundação numa zona
empurraria a água para as outras. Em 36 horas, tudo ficaria cheio. Mesmo
que não chova, se as bombas do metro parassem isso não levaria mais do que dois
dias a acontecer, calculam eles. Nessa altura, a água começaria a desgastar o
solo sob o pavimento. Passado pouco tempo, as ruas começariam a abrir crateras.
Sem ninguém para desentupir os esgotos, formavam-se novos cursos de água à superfície.
Outros apareceriam subitamente quando os tectos dos túneis inundados desabassem.
Em vinte anos, as colunas de aço mergulhadas em água que suportam a rua sobre as
linhas 4, 5 e 6 do East Side enferrujariam e quebrar-se-iam. Abatendo, a Avenida
Lexington transformar-se-ia num rio.
Muito antes disso, o pavimento em
toda a cidade estaria já em dificuldades, as coisas começariam a desfazer-se durante
o primeiro mês de Março após os humanos terem abandonado Manhattan. Em Março, as
temperaturas sobem e descem em torno dos zero graus centígrados cerca de
quarenta vezes (presumivelmente, as mudanças climáticas farão com que isto comece
já em Fevereiro). Seja quando for, o repetido congelamento e descongelamento fazem
estalar o asfalto e o cimento. Quando a neve se derrete, a água infiltra-se nestas
novas rachas. Quando gela, a água aumenta de volume e alarga as fissuras. Considere-se
isto como uma retaliação da água por ter estado comprimida por baixo de toda esta
paisagem citadina. Quase todos os restantes componentes da natureza se contraem
quando gelados, mas as moléculas de H2O fazem exactamente o contrário, organizando-se
a si próprias em elegantes cristais hexagonais que ocupam cerca de 9 por cento
de espaço a mais do que ocupavam quando se agitavam no estado líquido. Cristais
de seis lados tão bonitos sugerem flocos de neve tão frágeis que dificilmente os
imaginamos a empurrar pedaços de passeios. É ainda mais difícil imaginar canos de
aço concebidos para suportar 3400 quilos de pressão por polegada quadrada a explodirem
quando gelam. Mas é exactamente isto que acontece». In Alan Weisman, Um Mundo Sem
Nós, tradução José Barreto, Estrela Polar, 2007, ISBN 978-972-892-277-0.
Para o colega F. Duarte Santos
Cortesia EPolar/JDACT