Maquiavel
faz política
«(…)
A intenção do autor não era outra senão produzir um manual do que hoje
denominamos “marketing político”. Um manual que ajudasse na unificação da
Itália, fortalecesse o poder absoluto e o auxiliasse na recuperação dos cargos
públicos que ocupara durante a fase republicana da política florentina.
Maquiavel, que vivia a angústia e a solidão do exílio, cultivava a vontade
decidida de recuperar o seu emprego e sua posição. A melhor ideia que temos do
seu dia-a-dia foi fornecida por ele mesmo, numa carta célebre que escreveu ao
seu amigo Francesco Vettori, embaixador em Roma e homem ligado aos Médici: … pela
manhã, eu acordo com o sol e vou para o bosque apanhar lenha; ali permaneço por
duas horas verificando o trabalho do dia anterior e ocupo o meu tempo com os
lenhadores, que sempre têm desavenças, seja entre si, seja com os vizinhos
[...] Deixando o bosque, vou à fonte e de lá para a caça. Trago um livro
comigo, ou Dante, ou Petrarca, ou um destes poetas menores, como Tibulo, Ovídio
ou outros: leio as suas paixões, os seus amores e recordo-me dos meus,
delicio-me nesse pensamento. Depois, vou à estalagem, na estrada, converso com
os que passam, indago sobre as notícias dos seus países, ouço uma porção de
coisa e observo a variedade de gostos e de características humanas. Enquanto
isso, aproxima-se a hora do almoço e, com os meus, como aquilo que me permite o
meu pobre sítio e o meu pequeno património. Finda a refeição, retorno à estalagem
[...] lá me entretenho jogando cartas ou [...]
Assim desafogo a malignidade do meu destino [...]
Chegando à noite, volto à minha casa e entro no meu gabinete de trabalho. Tiro
as minhas roupas cobertas de pó, e visto as minhas vestes dignas das cortes
reais e pontifícias. Assim, convenientemente trajado, visito as cortes
principescas dos gregos e romanos antigos. Sou afectuosamente recebido por eles
e me nutro do único alimento a mim apropriado e para o qual nasci. Não me
acanho ao falar-lhes e pergunto das razões de suas acções; e eles, com toda a
sua humanidade, me respondem. Então, durante quatro horas não sinto
sofrimentos, esqueço todos os desgostos, não me lembro da pobreza, e nem a
morte me atemoriza [...] Denominar O Príncipe de obra de marketing político não
significa qualquer intenção de releitura da obra ou de reinvenção de Maquiavel.
Trata-se apenas de repor o trabalho no seu contexto primitivo, no seu sentido
primordial, desde a concepção do roteiro até ao resultado final. Maquiavel usou
o livro tentando sensibilizar os Médici para a sua situação. Quando foi
escrito, estava destinado a Juliano de Médici. Mas com a sua morte, acabou
dirigido a Lorenzo de Médici. Outro trecho da mesma carta a Vettori mostra-nos
bem uma ideia do estado de espírito e da disposição do autor:
O
que me leva a dedicar o meu opúsculo a Juliano é a necessidade que me aflige,
porque me consumo e não posso continuar por muito tempo assim sem que a pobreza
faça de mim indivíduo desprezível; e depois, eu gostaria que os Médici me
dessem um emprego, mesmo que começassem por me mandar empurrar um rochedo;
pois, se mais tarde eu não conseguisse ganhar os seus favores, eu só teria de
culpar-me a mim mesmo. Quanto ao meu tratado, se for lido perceber-se-á que os
quinze anos que passei aprendendo a arte da política, não os passei nem
dormindo nem brincando; e deveria haver grande interesse em se servir de um
homem cheio de experiência adquirida à custa de outrem. Não se deveria, além
disso, duvidar de minha lealdade, pois, tendo sido sempre fiel aos meus
compromissos, não é agora que vou aprender a não cumpri-los; e não é ao fim de
quarenta e três anos, esta é a minha idade, de bons e leais serviços que
podemos mudar a nossa natureza. Da minha bondade e da minha lealdade, aliás, dá
testemunho a minha pobreza actual.
No
oferecimento do livro, Maquiavel roga a Lorenzo que o receba como um testemunho
da sua submissão, afirmando que o maior presente que podia oferecer ao
governante era a lealdade de, em pouco tempo, com a leitura do pequeno volume, compreender
aquilo que em tantos anos e com tantos incómodos e perigos vim a conhecer. E
conclui com um apelo:… se Vossa Magnificência, das culminâncias em que se
encontra, alguma vez volver os olhos para baixo, notará quão imerecidamente
suporto um grande e contínuo infortúnio.
Maria
Tereza Sadek, no texto Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o
intelectual de virtú assinala que, depois da redacção de O Príncipe,
a vida do autor é marcada por uma contínua alternância de esperanças e
decepções. Maquiavel busca incessantemente, sem sucesso, durante vários anos,
retomar as suas funções públicas. Lorenzo Médici, a quem oferece o livro, pelo
que se sabe, jamais sequer irá abri-lo. Somente após a morte de Lorenzo, em 1519, Maquiavel volta a ser ouvido
pelos governantes de Florença: o cardeal Júlio Médici pede-lhe sugestões sobre
a organização política do Estado. No ano seguinte, a Universidade de Florença
encomendou-lhe a história da cidade, nascendo daí as Istorie Fiorentine,
obra inacabada e também motivo da sua última frustração política». In Maquiavel,
Escritos Políticos, A Arte da Guerra, José Nivaldo Junior (Maquiavel, O Poder,
História e Marketing), Colecção a Obra Prima de Cada Autor, Editora Martin Claret,
S/R, Wikipedia.
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