Maria Magdalena. A anti-odisseia da discípula amada
«(…) Nunca se escreveu e
se falou tanto de Madalena como agora. Citamos alguns livros, a título de
exemplo e para consulta do leitor: O Outro Pedro e a outra Madalena segundo
os Apócrifos, de Jacinto Freitas Faria; Maria Madalena, a mulher que
amou Jesus, de Margaret George; O romance de Maria Madalena, uma mulher
incomparável, de Jean-Yves Leloup; Evangelhos Gnósticos, de Márcia
Maia; O Enigma Maria Madalena, de Messadié; Arqueologia de Madalena,
de Fernanda Moro; Maria Magdalena, la diosa prohibida del Cristianismo,
de Lymm Picknett; Maria Madalena, de personagem do Evangelho a mito de
pecadora redimida, de Lilia Sebastiani; Maria Madalena e o Santo Graal,
de Margaret Starbird; Apócrifos, os Proscritos da Bíblia, de Maria
Helena Tricca; O legado de Madalena: Conspiração da Linhagem de Jesus e
Maria, revelações sobre o Código Da Vinci, de Laurence Gardner etc.
Na ficção, destacamos o best
seller de Dan Brown, O Código Da Vinci (2003), posteriormente
adaptado para o cinema em 2006, e o Evangelho Segundo Jesus Cristo, de
José Saramago (1992). No seu livro, Dan Brown constrói um enredo (mistura de
suspense com tintas de romance policial, misturado com pitadas de um belo conto
de fadas, tendo ingredientes arthurianos como príncipe, princesa, fuga, sangue
real, conspiração, protectores da linguagem sagrada, cálice sagrado etc). O autor
americano invade as alcovas da Galileia e retrata Madalena como esposa de
Jesus. Revela que o verdadeiro Graal não era o cálice perdido em que Jesus
teria bebido na sua última ceia e que daria a imortalidade para quem o achasse,
mas sim a descendência real de Jesus e Madalena. Esta descendência viveria actualmente
na França. O livro causou muita polémica e, no mesmo ano em que foi publicado,
foram escritos mais de 20 livros defendendo e/ou acusando o autor daquele de
ter cometido certas inverdades e muitas heresias. Já que estamos bem longe do
tempo das fogueiras, cabe aqui outra perturbadora pergunta: Se Jesus tivesse
sido casado, a história do Cristianismo teria sido outra? Particularmente
cremos que não, mas certamente a
história das mulheres no Ocidente teria sido outra. No Evangelho Segundo
Jesus Cristo (1992), de José Saramago, cuja publicação é bem anterior ao Código
Da Vinci, o Nobel de Literatura Portuguesa concebe um novo perfil de
Madalena. Também houve em Portugal muita polémica em torno do lançamento do
romance de Saramago, já que, no enredo, entre outras heresias, o autor
português retrata Jesus e Madalena como amantes. No romance de Saramago,
Madalena é a discípula amada que intervém no sagrado, impedindo, inclusive,
a ressurreição de Lázaro: [...] mas é neste instante, em verdade último e
verdadeiro, que Maria de Magdala põe uma mão no ombro de Jesus e diz, ninguém na vida teve tantos pecados que
mereça morrer duas vezes, então Jesus deixou cair os braços e saiu
para chorar.
Segundo este romance,
Jesus, ao ouvir esta frase, sai triste e não realiza o seu milagre mais
conhecido. Ela é a grande mulher do evangelho profano e de toda a obra de
Saramago. Madalena é transformada pelo autor português na discípula amada,
amiga do nazareno, beata enamorada, mas, principalmente, na mulher que evita
que Jesus recuse a cruz. A sua importância na vida de Jesus é tão grande que
Jesus prefere ser chamado de Jesus de Magdala e não Jesus de Belém, ou
Jesus de Nazaré. O que muitos desses críticos não entenderam era que tanto
Saramago como Dan Brown não estavam fazendo Teologia e, sim, Literatura.
Não poderíamos deixar de citar aqui o excelente conto da escritora belga/francesa
Marguerite Yourcenar, Maria Madalena ou a Salvação, publicado em Paris,
em 1936, no livro intitulado Fogos. Neste conto, a escritora explora de
forma magnífica outra lenda do Cristianismo: o casamento de Madalena com o
discípulo amado, João.
A Teologia precisa
resgatar a dimensão apostólica de Madalena, uma vez que os evangelistas, homens
e inseridos em uma cultura patriarcal, mesmo atestando os factos referentes à
vida dela, procuram minimizar o papel de Madalena na vida de Jesus e no
cristianismo nascente. Apesar desse equívoco em que a dimensão de pecadora e
penitente superou a dimensão de Apóstola, ela se tornou uma das mulheres mais
populares e queridas no mundo cristão. Uma das provas é a quantidade de
mulheres que receberam o nome de Madalena. Há necessidade de restituir à Madalena
a dimensão de discípula e Apóstola para corrigir certos equívocos cometidos. E
a Literatura, como pode colaborar para o resgate de uma personagem evangélica
que já faz parte da cultura ocidental? Embora não tenha compromisso com a verdade,
a Literatura já colaborou e está colaborando ao trazer à luz obras ficcionais
em que outras possibilidades de interpretação dessa mulher são oferecidas,
longe do dogma, longe da ortodoxia, longe de heresia, longe das fogueiras.
Certamente, depois do surgimento dos diversos romances sobre Madalena, muitas
obras de historiadores e teólogos sobre Maria Madalena serão reeditadas. Talvez
a transformação de Madalena, de discípula em prostituta, se deva ao facto de
que a sua liderança era temida. Talvez o grande pecado de Madalena, a
magnífica, foi o de saber demais. Este saber foi a sua perdição e a sua
condenação! Como definir Madalena, como resumir esta intrigante mulher, cuja memória
carregou o estigma de Caim durante séculos? É Fernanda Moro que afirma que pensar em Madalena é pensar no amor.
No amor integral, integrado, construtivo, absorvente. Se pudéssemos resumir a
trajectória da mulher mais enigmática do Novo Testamento, resumiríamos
desta forma: Madalena foi a mulher que amou Jesus. Ela foi a mulher que amou o
Amor. Pensar em Madalena é sentir o perfume da eternidade. Porque não há coisa
encoberta que não haja de manifestar-se». In Salma Ferraz, organização, Maria Madalena das páginas da Bíblia para a
Ficção, Textos Críticos, Eduem,
UEM, Maringá, Brasil, 2011, ISBN 978-85-7628-334-8
Cortesia de Eduem/JDACT