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… e ali lhes deitaram a sua água de
baptismo...
«(…) O certo é que o termo de expulsão
não é apropriado para designar o que se passou em Portugal, onde poucos foram
os que lograram sair. Nesta altura, a grande maioria permaneceu no reino como cristãos-novos,
mantendo a fé e as práticas judaicas secretas no interior dos seus lares. Foi o
baptismo geral forçado, planificado e executado de forma fria e calculada que
pôs fim à presença do judaísmo em Portugal. O que Maria José Tavares denomina
de religiocídio. Entre os poucos que saíram neste período, contam-se o
já mencionado sábio e médico Abraão Saba, cujos dois filhos foram baptizados, e
que enterrou o seu tesouro literário debaixo de uma árvore, a que denominou o carvalho do pranto, Abraão Zacuto,
matemático e astrólogo, Joseph Caro, talmudista e comentador da Bíblia, Jacó
Ibn Chabib, gramático, e que passou a assinar aquele que nunca se ajoelhou para adorar nem Baal, nem fogo nem pau,
todos para o Império Otomano. Ao deixar estas e outras grandes figuras, o rei Manuel
I procurava muito provavelmente decapitar a elite dos judeus cristianizados. A
grande diáspora dos conversos só acontecerá de facto depois do massacre
de 1506 e sobretudo depois do
estabelecimento da Inquisição (maldita), em 1536.
Desse grupo fará parte Grácia Nasi.
Que
se nam posa fazer ordenaçam nova sobre elles como sobre gemte destimta...
A
acção do rei Manuel I não se limitou às conversões forçadas. Ao mesmo tempo e
sem esperar pelo prazo final de Outubro, o rei levou a cabo a destruição
violenta, rápida e total do culto judaico: ordenou a destruição de sinagogas,
escolas e bibliotecas; proibiu o uso e o estudo do hebraico, que passou a ser
oficialmente restringido apenas à universidade; proibiu o exercício do culto e
todas as instituições jurídicas, administrativas e religiosas judaicas. A 15 de
Março, a sinagoga de Évora é doada ao Bispo de Tânger e a sinagoga grande de
Lisboa reverte para a Coroa, sendo entregue em 1505 à Ordem de Cristo e transformada em igreja. Garcia de Resende
afirma: … vimos synagogas mexquitas em que sempre erão dictas e prégadas
heresias, tornadas em nossos dias igrejas sanctds benditas… As sinagogas
locais seriam entregues a particulares, como residências. E em Maio de 1497, o rei doaria ao concelho de
Lisboa o cemitério judaico para pastos e
rossio e as pedras das campas e cabeceiras dos jazigos para a fábrica do
hospital real de Todos-os-Santos.
Também
a posse e existência de livros hebraicos foi proibida, excepto aos físicos e
cirurgiões. Em Lisboa, existia um centro de copistas que produziu uma obra notável
da qual se destacam, pela beleza da sua caligrafia e das suas iluminuras, as
cópias parciais ou integrais da Bíblia executadas entre 1469 e 1496. É este
centro ou escola que esteve na origem da instalação em Portugal, em Faro,
Lisboa e Leiria, das primeiras oficinas de impressão, sendo em caracteres
hebraicos os primeiros livros impressos em Portugal, nas oficinas de Samuel
Gacon, Eliezer Toledano e Samuel d’Ortas. Estas obras e outras trazidas de Espanha
pelos judeus refugiados deram origem a uma biblioteca hebraica riquíssima, avaliada
por um contemporâneo em mais de cem mil cruzados, que Manuel I não hesitou em
doar e vender ao desbarato, provavelmente sem noção do seu valor literário,
científico e histórico. Manuel I não esperou pelo final de Outubro de 1497 para destruir todos os vestígios
do culto judaico. Mesmo antes de expirar o prazo para a sua partida, escreve
Maria José Tavares, os judeus assistiam impotentes ao devassar dos seus
templos, escolas e bibliotecas e à profanação dos seus cemitérios. O que nos
permite concluir que ainda antes de assinar o decreto de expulsão, Manuel I já
teria premeditado a conversão geral dos judeus de Portugal.
Ao
mesmo tempo que procede à destruição do culto judaico, Manuel I vai levar a
cabo o outro lado da sua política que visava a integração social dos antigos
judeus, agora baptizados. A primeira medida é a protecção dos cristãos-novos. A
ordenação de 30 de Maio de 1497
proíbe, durante quinze anos, as inquirições sobre o seu passado judaico: que
se nam posa fazer ordenaçam nova sobre elles como sobre gemte destimta, pois que
sam convertidos à nossa samta fee. Este decreto é confirmado a 13 de
Março de 1507 e prolongado em 1515 por mais dezasseis anos. Ou seja,
no tempo de Manuel I, os cristãos-novos estão isentos do inquérito sobre crimes
contra a fé». In Esther Mucznik, Grácia Nasi, A judia portuguesa do século XVI que
desafiou o seu próprio destino, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN
978-989-626-244-0.
Cortesia
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