quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O Cavaleiro de Olivença João Paulo O Costa. «A boda teve lugar passados seis meses, e Vasco cumpriu tranquilamente seu papel para felicidade dos amantes. E como Antónia nunca emprenhou, Pedro, o filho de Vasco e de Iamê…»

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O amigo da rainha
«(…) Por isso, no desespero em que mergulhara com os avisos da Coroa sobre o noivado que estaria iminente, Antónia ousara pedir o impossível. No início de Julho de 1509, escrevera ao amigo e pedira-lhe que viesse vê-la a Moura. O Melo comparecera rapidamente, e tinham conversado num olival da vila, nua posição onde se via o maravilhoso ondulado alentejano. Como está vosso coração, meu amigo? Está morto, Antónia. Não digas isso, Vasco. Ele bate, mantém-me vivo, mas nunca mais amará outra mulher. Amaste muito Iamê. Sonhei com ela anos a fio. De repente apareceu-me saída do arvoredo e logo nos apaixonámos. Deixou os seus e atravessou o oceano por min-r, deu-me um filho e morreu. Tens de a esquecer. Por favor, Antoninha, não me dês um sermão. Já me chegam os de Miguel e do próprio senhor dom Manuel. Nunca mais me ajuntei com mulher e não me quero casar de novo. Ficaram em silêncio, olhrares perdidos. Vasco confirmara o que já confidenciara a Antónia noutra ocasião, e ela ganhara ânimo. Afinal, porque me chamaste? Tenho um pedido a fazer ao meu melhor amigo. Só tu me podes valer. Curioso, Vasco arqueou as sobrancelhas e deu um estalo com a língua. Casa comigo. O nariz de Vasco parou subitamente. Antónia, gosto de ti, mas não tenho vontade, e mereces homem que te ame. Já o tenho, mas só posso ser dele para sempre através de ti. E Antónia explicara-lhe seu drama. Pedia a Vasco que casasse com ela e aceitasse Álvaro Pires como seu feitor. Assim, a sociedade deixava ambos em paz e ela podia viver seu amor discretamente. A boda teve lugar passados seis meses, e Vasco cumpriu tranquilamente seu papel para felicidade dos amantes. E como Antónia nunca emprenhou, Pedro, o filho de Vasco e de Iamê, tornou-se herdeiro do morgadio.
Há muito que Antónia não se lembrava da pobre rainha dona Joana. Raramente se falava nessa mulher que fora enterrada viva para proveito de seus parentes. Mas a referência do sacristão tivera como efeito imediato a lembrança de Vasco, e seu espírito. nada pôde fazer para evitar que as imagens e sons de Vasco Melo. que permaneciam depositados no seu íntimo, se soltassem de sua câmara habitual e lhe preenchessem o espírito. Se a memória de Álvaro lhe trazia ao espírito a paixão, os prazeres carnais e a cumplicidade do amor, ao recordar Vasco ela era invadida pela afeição e pela ternura. Com Vasco em sua cabeça, não valia a pena ir à igreja. Com idade tão avançada, dona Antónia, aprendera que quando alguém do passado a visitava havia que ser hospitaleira. E valia a pena viver o bom Vasco Melo.
Em sua câmara, dona Antónia abriu uma arca grande e retirou uma caixa que estava dentro dela. Pegou numa folha de papel enrolada e abriu-a. Era o retrato de Vasco desenhado a carvão por Miguel Castro. Dera-lho no dia do funeral de Vasco, quando o Melo fora sepultado naquela mesma vila. Fora um dia triste de Setembro de 1515, que ela era incapaz de precisar; lembrava-se apenas que fora nos dias subsequentes ao desastre da Mamora, em que Vasco se finara deste mundo, não de espada na mão, como merecia vida tão honrada, mas por fraqueza de seu coração que não resistiu à visão da destruição da Armada Real e da terrível mortandade que as forças portuguesas sofreram às mãos dos mouros». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT