domingo, 17 de janeiro de 2016

Os Abutres do Vaticano. Eric Frattini. «O alemão duvida inicialmente, olha para o polaco, depois fixa os seus olhos no céu e responde a Deus: muito bem, mas depois dele serei eu. A anedota, embora ofereça uma imagem injusta e em nada real…»

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«(…) Estamos na equipa do Senhor, na equipa vencedora, disse Bento XVI, ao mais puro estilo empresarial norte-americano, no passado dia 21 de Maio de 2012, durante um almoço com um pequeno grupo de cardeais. Pouco antes, o papa afirmara: toda a história e uma luta entre dois amores, amor de si próprio até ao desprezo de Deus e amor de Deus até ao desprezo de si próprio. E acrescentou: nós estamos nesta luta e é muito importante ter amigos. No meu caso, estou rodeado pelos amigos do Colégio Cardinalício. [...] sinto-me seguro nesta companhia. Oito dias depois, o padre Federico Lombardi declarava categoricamente: não consta nenhum cardeal entre as pessoas investigadas ou suspeitas (referindo-se ao caso das fugas de documentos). Por mais que Bento XVI tente dar um ar de união dentro do Sacro Colégio Cardinalício, é bem sabido que nem todos são amigos e que nem todos jogam na mesma equipa do Senhor. Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, pelo menos, não o fazem.
Já há alguns anos que circula pelos corredores do Vaticano uma anedota que reflecte na perfeição as histórias paralelas dos últimos papas da história, o polaco João Paulo II e o alemão, Joseph Ratzinger. Cracóvia, Inverno de 1944. Céu nublado, quase plúmbeo. Estrada enlameada. Na berma da estrada está estendido um jovem polaco descarnado, cheio de fome, com o rosto emaciado e a roupa suja. Um jovem soldado da Wehrmacht aproxima-se dele. Põe-se diante do polaco, saca da sua pistola lüger, aponta-a à cabeça do infeliz e dispara. De súbito, Deus lança um raio e pulveriza a bala. O nazi, surpreendido, volta a disparar para a cabeça do jovem polaco e Deus volta a lançar outro raio que, uma vez mais, pulveriza o projéctil. O alemão, já chateado, pergunta a Deus: porque proteges esta escória polaca? E Deus responde: porque, um dia, esse polaco será papa. O alemão duvida inicialmente, olha para o polaco, depois fixa os seus olhos no céu e responde a Deus: muito bem, mas depois dele serei eu. A anedota, embora ofereça uma imagem injusta e em nada real do actual Sumo Pontífice, mostra sim, de modo caricatural, as personalidades diferentes de Karol Wojtyla e de Joseph Ratzinger. O polaco foi um homem guiado pelo seu próprio destino e não pelos seus desejos, um homem aberto ao mundo que soube dirigir com mão de ferro a máquina do Vaticano, anquilosada e rebelde. O alemão é um homem que recorre à política e à negociação para alcançar os seus próprios fins mas, sem dúvida devido à sua faceta mais teológica e filosófica, carece da experiência do anterior, na hora de fazer frente à estrutura desconfiada do Vaticano, o que esteve na origem dos últimos sucessos ocorridos à sua volta. Quando Bento XVI se vê submerso no escândalo das fugas de documentos secretos, conhecido como Vatiledks, em plena luta pelo poder entre os bertonianos do cardeal Tarcisio Bertone e os diplomatas do cardeal Angelo Sodano, ocorre-nos a frase de Ludwig von Pastor, um dos mais rigorosos e precisos investigadores da história dos papas que, nos finais do século XIX, assegurava: não basta ser-se um bom monge para se ser um bom papa. E o Estado da Cidade do Vaticano em nada mudou nos últimos dois séculos». In Eric Frattini, Os Abutres do Vaticano, 2012, tradução de Pedro Carvalho, Bertrand Editora, Lisboa, 2013, ISBN 978-972-252-598-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT