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Duquesa de Borgonha. O caso de Calais
«(…) Estes acordos puseram fim à crise que ameaçava os Países Baixos
flamengos depois das destruições e das pilhagens das tropas do duque de
Gloucester, provocando a suspensão do comércio com a Inglaterra, de onde
provinha a lã que alimentava a poderosa indústria dos panos nestas cidades. O
comércio e a actividade dos portos de Bruges e de Antuérpia temiam pelo futuro.
As manufacturas do pano, em que os artesãos flamengos haviam adquirido uma
notável mestria, estendiam-se ao campo e abasteciam todas as regiões da Europa.
Os portos em causa estabeleciam trocas comerciais muito apreciadas pelos congéneres
do Norte, reagrupados nas Hansas, através do transporte de mercadorias para os
portos nórdicos e até aos da Rússia.
A libertação de Carlos Orleães e as negociações com Carlos VII
Carlos Orleães, sobrinho de Carlos VI, prisioneiro dos ingleses depois
de Azincourt (1415), dedicou-se à poesia durante o seu longo cativeiro. Dado o
impasse dos acordos de paz, a duquesa negociou a sua libertação separadamente.
Ao seu irmão Duarte I, rei de Portugal, tinha já solicitado que interviesse
junto dos ingleses. Dona Isabel havia obtido do cardeal de Winchester a
garantia de que seria ele a encarregar-se do caso. O cardeal havia
experimentado algumas dificuldades em obter esta libertação. Os ingleses
exigiam 80 000 escudos para libertar o refém e o dobro desta soma ao cabo dos
seis meses seguintes. A duquesa apelou um pouco por todo o lado, aos nobres
como aos burgueses, para reunir a importante soma, ajuntando a essas mais de um
terço provenientes das suas próprias economias. No fim de Outubro, os 80 000
escudos foram remetidos aos interessados. O duque Orleães foi então conduzido a
Calais acompanhado por muitos senhores e depois a Gravelines, onde foi recebido
em 11 de Novembro de 1440 pela
duquesa e pelos embaixadores de França. O duque juntar-se-lhes-ia mais tarde. Dona
Isabel mostrou-se de uma particular amabilidade para com o recém-libertado e,
depois de uma primeira entrevista, jantaram no interior da tenda do cardeal
Beaufort. Antes de deixar a Inglaterra, onde passou 25 anos, o príncipe
prometeu sob juramento trabalhar para restabelecer a paz entre as duas Coroas e
deixou a sua marca nas negociações. Para festejar a libertação de Carlos e o
seu casamento com Marie de Clèves, que pertencia à família do duque, foram
organizados encontros jubilatórios com grande pompa duas semanas depois. Ao inaugurar
as cerimónias, o duque de Borgonha ordenou a leitura do tratado de Arras, que o
duque de Orleães jurou observar, de mão sobre o Evangelho, diante do arcebispo
de Reims; o conde de Dunois, seu irmão, fez o mesmo juramento.
Filipe, o Bom, celebrou o
regresso do primo com magnificência, dispensando grande cortesia aos senhores
estrangeiros presentes. Lorde Cornwalis e outros senhores ingleses foram
convidados a ficar para as festas. Belas justas disputaram-se diante das damas
incumbidas da entrega dos prémios. Das cidades vizinhas chegaram grandes quantidades
de provisões destinadas ao sustento de grupo tão extenso de convidados. A 30 de
Novembro, o duque Filipe fez reunir em Saint-André o sexto capítulo do Tosão de
Ouro e impôs ao duque de Orleães o colar de cavaleiro, bem como a João II,
duque de Alençon, João V, duque da Bretanha, e Mathieu Foix, conde de
Comminges. As festividades, aquando da entrada em Bruges de Carlos e da duquesa
de Orleães, permitiram ao duque reconciliar-se com os notáveis de Bruges que
tinham vindo convidá-lo a Saint-Omer. Filipe pensava que no futuro Carlos se
apoderaria do reino e por isso lhe prodigalizou dinheiro e permitiu que os
gentis-homens dos seus Estados o servissem. Mas o rei fazia uma apreciação
diferente do facto de os duques terem estado na origem da libertação do duque
de Orleães e de assim terem estreitado os seus laços com os borgonheses.
Na sequência do envolvimento de dona Isabel como mediadora, a duquesa
voltou a encontrar-se em Laon com Charles VII, mas a pressa do rei na obtenção
da paz não era a mesma. A paz na Flandres e a liberdade de comércio negociada
com os ingleses, a estabilidade e o reforço do poder real, apareciam como uma
ameaça para a Borgonha. No fundo, constatava-se cada vez mais que a mão do rei
se escondia atrás das acções dos bandos de esfoladores (écorcheurs) comandados por Rodrigue Villandrando
que, depois de 1437, foram autores
de violências no Hainaut e na Picardia. Na Sabóia e em Estrasburgo, os Armanacs
semeavam o terror atravessando o Reno por Frankfurt. Mas as comunas da Suíça
evitaram que eles perturbassem o Concílio de Basileia onde o rei de
França conseguiu fazer aprovar a Pragmática-sanção retirando aos papas o poder
de colação de bispos e arcebispos, que ficavam sob eleição dos capítulos.
Filipe, o Bom, opondo-se, apoiou o
papa no conflito que o opunha aos padres reunidos em Basileia tendo mandado
embaixadores ao Concílio de Florença». In Daniel Lacerda, Isabelle de
Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal,
Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval,
tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN
978-972-23-4374-9.
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