quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Espaço, Poder e Memória. Catedral de Lamego. Maria do Rosário Morujão. «… em doação ao mosteiro de Anreade (concelho de Resende) de 3 de Setembro de 1099, a corroboração é feita per jussionem, isto é, por ordem de Ero, arcediago da Sé de Lamego…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Séculos XII a XX
A reconquista da cidade e a primeira tentativa de restauração da diocese
«(…) Odório estava directamente ligado à catedral cujo governo assegurava, na sua qualidade de membro e dirigente do cabido viseense. Porque há que ter em conta que a inexistência de um prelado próprio não era impeditiva do desenvolvimento da igreja local, no sentido de existir um templo principal na cidade, em torno do qual se agrupava um conjunto de cónegos, formando um cabido, como sucedia (e sucede ainda hoje) em todas as catedrais. Em Viseu, a realidade capitular deste século de dependência face a Coimbra começa a ser mais bem conhecida, graças às investigações levadas a cabo por Anísio Sousa Saraiva, que mostram a importância que o colégio canonical viseense tinha já por volta de 1110, período em que os condes portucalenses fizeram de Viseu a sua capital, que se manteve como sede política do condado até ao afastamento de dona Teresa, após a Batalha de S. Mamede. A Sé de Viseu foi beneficiada pelo conde Henrique e por sua mulher com a transferência da antiga catedral moçárabe, localizada na zona baixa da cidade, para o cimo da colina, onde ganhava não só um novo edifício, mas também uma renovada importância. Foi igualmente beneficiada com o apoio que dona Teresa não pode ter deixado de dar à tentativa de autonomização do bispado ocorrida por volta de 1119-1120, quando o cabido elegeu o prior Odório como bispo. Foi uma tentativa gorada, pois logo Coimbra se lhe opôs, fazendo valer os seus direitos de episcopado administrante48; mas mostra bem o grau de desenvolvimento que, por essa altura, já tinha atingido a canónica viseense e, por consequência, a igreja local.
Em Lamego, a situação seria diversa, assim nos parece. Uma diferença fundamental, logo à partida, é que, aqui, a presença e o apoio condal não se fizeram sentir como em Viseu. Quanto ao cabido, é provável que, como diz a tradição, tenha tido origem num templo da invocação de S. Sebastião, situado fora do espaço muralhado, e na comunidade eclesiástica que aí se teria desenvolvido qual, a certa altura, aparece designada como colegiada. Segundo M. Gonçalves Costa, seria este o embrião do futuro cabido catedralício, o que parece muito provável, dado que S. Sebastião foi, de facto, o primeiro orago da catedral lamecense, antes de ser construído o edifício dedicado a Santa Maria. Afirma este mesmo autor que, à frente desta comunidade, estaria um arcediago ou prior, que governava a diocese nomeado por Coimbra. Discordamos desta afirmação; como vimos, estes dignitários tinham diferentes funções e naturezas; à frente de uma comunidade canonical está um prior ou um deão, não um arcediago (note-se que, no entanto, o exercício das duas funções podia estar ligado a uma mesma pessoa, como sucedia, no caso português, na Sé de Braga, cujo deão era também, por via de regra, o arcediago do Couto; também em Castela são vários os exemplos de acumulação das duas funções).
Todos os dados que encontrámos apontam para que o governo de Lamego fosse feito por um arcediago, o que significa, a nosso ver, que, e ao contrário do que se passava em Viseu, não seria aquele que presidia ao cabido, o prior, a pessoa que estaria encarregada de administrar a diocese sob as ordens de Coimbra. Vejamos os elementos que conseguimos obter a partir das fontes compulsadas, e sabendo que mais seria preciso analisar, a começar pelos valiosíssimos manuscritos deixados por frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo, hoje depositados na Biblioteca Municipal de Viseu, que contêm a cópia de múltiplos documentos por ele examinados e que mais tarde se perderam no incêndio que, no século XIX, destruiu o seminário dessa cidade. Sem abonação que nos permita conhecer em que se baseou, M. Gonçalves Costa refere Domingos como primeiro arcediago à frente de Lamego, entre 1089 e 1099, a quem se seguiu, nesse último ano, um outro arcediago, de nome Ero. De facto, em doação ao mosteiro de Anreade (concelho de Resende) de 3 de Setembro de 1099, a corroboração é feita per jussionem, isto é, por ordem de Ero, arcediago da Sé de Lamego, que volta a surgir em venda concretizada dois anos mais tarde, em 1101 (Fig. 5), e cujo período de actuação M. Gonçalves Costa estende até 1108. Este mesmo autor cita, depois, um Martinho, que o teria substituído nesse mesmo ano, mas que designa-se como prior, remetendo para um documento do mosteiro de S. João de Pendorada. Não refere o arcediago David que, em 1119, confirma uma doação a favor do mosteiro de Arouca. Finalmente, como último arcediago conhecido, temos o já mencionado Mónio, em 1128». In Maria do Rosário B. Morujão, Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX, Coordenação de Anísio Miguel Sousa Saraiva, Estudos de História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0.

Cortesia da UCPortuguesa/JDACT