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«A entrevista
terminara: o operador de câmara indicou o final com um gesto de mãos, o técnico
de som desligou os microfones e apagou os três holofotes. Depois da luz
brilhante dos projectores restou subitamente uma luz opressiva e pálida, na
qual a vista voltava a demorar-se. Ora aí está!, disse uma voz lá ao fundo. Marquem
a vermelho no calendário esta meia hora. Voavam num Boeing particular de Miami, Florida, para Nassau, nas Bahamas, e tinham
debaixo de si o distante oceano prateado e espelhado pela luz do Sol. O avião
era um aparelho muito especial: daqueles como uma casa equipada com todo o
luxo, com casa de banho de mármore, um salão, uma sala de jantar, um quarto, dois
escritórios, uma cozinha grande e uma sala de operações equipada com os
melhores e mais modernos aparelhos, desses que qualquer clínica mediana deseja possuir.
O pessoal estava à altura: dois médicos: um cirurgião e um clínico geral, uma
enfermeira, um secretário, duas estenodactilografas, dois guarda-costas, três empregados
suplementares, junto dos habituais três homens da tripulação no cockpit, que fazem parte do pessoal de um
Boeing. Assim, tratava-se apenas do pessoal
efectivo e permanente. A bordo encontravam-se sempre hóspedes. Hoje havia dois
embaixadores e dois sujeitos muito lacónicos, dos quais um pertencia à companhia
aérea e o outro era técnico de exportação. O príncipe Khalif Omar ben Saud
recostou-se na sua cadeira giratória e ampla e ergueu um copo de sumo de laranja
gelado. Durante o voo, usava apenas as calças e uma camisa de manga curta, mas agora,
devido à gravação televisiva, vestia o seu tradicional jalabia de lã branca e leve, com entre-meios de seda, e o hakal levantado dos lados e caído sobre
os ombros. Também havia tirado os seus enormes óculos escuros, o que raramente sucedia.
Na verdade, o mundo inteiro só o conhecia de óculos..., uma cabeça estreita com
a testa alta, nariz aquilino, admiravelmente fino, boca de lábios finos e uma
pêra curta, de pelos encaracolados e negros. Khalif era mais alto do que a maioria
dois compatriotas. Era esguio, de constituição atlética, educado num colégio interno
britânico, possuidor de um diploma da Universidade de Harvard e licenciado em
Direito pela Universidade de Heidelberga. Falava fluentemente sete línguas e desde
solteiro que mantinha um harém de dezanove mulheres bonitas e selectas. Era famoso
pela profunda antipatia face à imprensa, rádio e televisão, por causa do que se
divulgou a seu respeito: tinha uma dama infiel no seu harém, que compensava o seu
tédio junto de um secretário, saciando a sua fome no seu jardim zoológico privado.
Sobre o secretário ninguém disse nada. As leis islâmicas eram respeitadas, por isso,
que havia para discutir sobre isso? Satisfeitos?, perguntou Khalif Omar ben Saud.
Saudou-os com o copo, agarrou nos óculos voltou a pô-los. O sol permanente sobre
as nuvens, que o avião atravessava, continuava a brilhar e os olhos tinham-se acostumado.
Ninguém
acreditara que esta entrevista alguma vez pudesse efectuar-se. Quando Jérome Ballister,
o director do programa Actual, da cadeia
televisiva ACF de Nova Iorque, anunciou a ideia estapafúrdia de pôr o príncipe Khalif
frente às câmaras, riram-se dele com benevolência como se fosse louco. A reunião
diária da direcção da estação televisiva foi favorável à proposta de Jérome, porque
até o próprio presidente Hunters observou: é uma boa ideia. Já agora, porque não
fazem imediatamente a proposta de fotografar o papa na casa de banho? Uma vez que
Khalif se encontra em Miami e está em reunião com os nossos peritos em assuntos
petrolíferos, claro que não vai haver inconveniente (raios o partam!) em deixar,
mais uma vez, subir em flecha o preço do petróleo, até nós ficarmos
desnorteados, mas tudo o que vai transpirar da reunião será anunciado, pelo
braço direito, pelo porta-voz do príncipe. Ele próprio fica na rectaguarda, como
um segundo Howard Hughs, só que não tão bem-humorado como ele. Este Khalif sabe
muito bem o que vale uma única palavra sua e o que nós temos de pagar por isso!
E você, Jérome, vem com essa conversa e diz com o maior à-vontade e insolência:
temos de entrevistar Khalif! Essa é a anedota do século!» In Konsalik,
O Lado Obscuro da Fama, 1980, tradução de Ana Pinto Silva, Círculo de Leitores,
1998, ISBN 972-421-842-2.
Cortesia
de CLeitores/JDACT