«A igreja da abadia de São Bento,
instalada entre frondosas pracinhas de Ealing, na região oeste de Londres, é o
resumo clássico da respeitabilidade e da quietude da classe média inglesa.
Dirigida pelos monges beneditinos, a ordem do primaz da Inglaterra, cardeal
Hume, a abadia é certamente o menos provável ponto de explosão de um conflito
que está agitando a Igreja Católica Romana em dimensão mundial. No entanto,
esta paróquia de subúrbio foi dilacerada pela presença de um dos mais poderosos
movimentos tradicionalistas da Igreja, que, nos últimos dez anos, espalham-se
globalmente a partir do sul da Europa, e agora estão virtualmente estabelecidos
em quase todas as regiões do mundo. Gozando de patrocínio do mais alto nível,
principalmente do próprio papa João Paulo II, estes movimentos têm, no entanto,
encontrado uma severa oposição por parte dos cardeais, bispos e membros do
laicado, e tem sido estigmatizados como seitas fundamentalistas. Em 1980, aos
18 anos de idade, Rita estava nos primeiros anos de um curso de bioquímica e
tinha pela frente uma carreira promissora. Atraente e independente, ela era uma
das quatro filhas de uma família muito bem consolidada, da classe média da
paróquia da Abadia de Ealing. De volta à sua casa durante as férias, ela
envolveu-se com o movimento do Neocatecumenato. A história dela é a clássica história
de uma pessoa recrutada por uma seita. Assim que Rita aderiu ao Neocatecumenato
(doravante, NC), a sua família notou a mudança. A sua mãe lembra-se ainda: o
assunto dela em casa era somente o movimento; tínhamos brigas constantes a
respeito disto; aos poucos ela foi transferindo todas as suas afeições para o NC:
eles tornaram-se a sua nova família. Finalmente, quando Rita foi ganhando
uma nova série de prioridades, toda a comunicação com a família foi
interrompida completamente. Isto foi particularmente duro para o pai de Rita,
que não é católico e que mantinha um relacionamento muito estreito com a filha.
Actualmente, aos 30 anos, ela encontra-se como que presa num relacionamento
infeliz com um homem que tem quase o dobro de sua idade. Há muito tempo abandonou
uma brilhante carreira numa empresa farmacêutica para dedicar-se ao ideal do NC
de cuidar de crianças. Rita tem três filhos, inclusive um de quatro anos que é
autista. A família leva uma vida de gente empobrecida, morando numa casa da comunidade
camarária, e o emprego do marido como operário não qualificado está
permanentemente ameaçado. Depois de vários anos no movimento, quando chegou aos
26 anos ela informou os seus pais que ia casar-se com um homem da comunidade,
um dos subgrupos de cerca de 40 membros em que o NC divide os seus seguidores numa
paróquia. A mãe de Rita está convencida de que o casamento com um líder do NC,
que tem o dobro da idade dela foi um casamento arranjado, e, de facto,
alguns relatos sobre práticas do NC confirmam que de facto existem casamentos arranjados,
ou pelo menos favorecidos, nas comunidades do NC. Embora os pais de Rita
estivessem arcando com as despesas do casamento, eles não tinham nenhum direito
a opinar sobre os preparativos. Receberam uma lista de convidados com mais ou
menos 200 nomes, a maioria dos quais simplesmente desconheciam. A maior parte
deles eram membros do NC, de fora da paróquia.
Mas havia ainda mais surpresas reservadas.
O irmão de Rita, Roberto, recorda: nunca tinha visto nada igual àquilo;
quando teve início a cerimónia, quem nos deu as boas-vindas foi um líder do NC
que não era membro da paróquia; os convidados foram separados em dois grupos
absolutamente distintos: os que eram do NC e os que não eram do movimento. Os
do NC formavam naturalmente o maior grupo. Outros membros da paróquia
ficaram perplexos diante da missa nupcial que durou duas horas e meia e
descreveram a cerimónia como um frenético concerto pop, com exibição dos
hipnóticos ritmos espanhóis das canções do NC, todas compostas pelo fundador do
movimento, Kiko Arguello. Durante os anos seguintes, as relações entre Rita e a
sua família ficaram tensas. Isto foi agravado ainda mais pelas tentativas que
ela fez de evangelizar os seus vizinhos, entre os quais uma família de
judeus que ficaram ofendidos pelo agressivo proselitismo de Rita,
característica do NC. A mãe dela tinha começado a resignar-se àquela situação
quando, em meados de 1993, ao visitar um dia a casa da filha, soube que ela
tinha ido embora levando os filhos consigo. Mais tarde, recebeu um telefonema
de Rita dizendo que o seu casamento se havia tornado intolerável e pedindo que
a mãe lhe permitisse voltar para casa com as crianças.
Rita e os filhos permaneceram oito semanas
na casa da mãe, e durante este tempo ela não teve nenhum contacto com o marido.
Mas este período terminou tão abruptamente e tão misteriosamente quanto havia
começado, tornando as relações entre Rita e a sua família mais tensas do que
nunca. Certa noite ela desapareceu de casa por volta das 18h30, só regressando
quando o resto da família já estava dormindo. No dia seguinte, conseguiu declaração
da justiça concedendo-lhe a guarda das crianças, com medo de que o pai delas,
que não era inglês, tentasse levá-las para fora do país. Durante o café da
manhã ela anunciou que iria voltar para o marido com as crianças». In Gordon
Urquhart, A Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002,
ISBN 978-850-106-222-2.
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