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«(…) Se havia quem
conhecesse o Mundo, esse era Fernão, o Magalhães, que lhe dera a volta inteira.
Nascera em Sabrosa e crescera por 1á, e depois tornara-se notável e servira ao
outro rei, o dito Perfeito, antes
deste dito grande El-Rei, o Venturoso.
Magalhães fora pajem da outra rainha, e El-Rei tornou-o como escudeiro, mas
ninguém caía nas boas graças de El-Rei, daí mil desventuras. Saiu, por se
sentir agastado em corte, Fernão para a Índia com a frota do Almeida. E fez expedições
a Sofala e a Quíloa. Andou na conquista de Malaca com Afonso e, com Serrão. Foi
às Molucas e a Banda.
Cheirou o cravo e a noz-moscada
na fonte das riquezas especiarias, ali em Ternate, deslumbrou-se. Voltou ao
reino e não teve grandes graças, a não ser dos seus que o estimavam. El-Rei não
quis saber do que lhe disse, e o que lhe disse foi que nas Molucas se podia
estabelecer um grande comércio para compra e venda de produtos celebrados e a
partir dali partir e prosperar.
El-Rei mandou-o bugiar e
ele bugiou para casa dos sogros católicos de El-Rei, que, esses sim, o acolheram
com tino e lhe fizeram boas graças e fortuna que agora desenvolvia. Propôs o descobrimento
da especiaria e de outras terras ricas, e aceitaram-no, e com grande ambição foi-se
a fazer a primeira viagem ao redor da Terra, na qual o acompanharam muitos
homens adestrados em guerra e marinharia, todos cheios de confiança nele.
Com ele foram outros
ainda dos que El-Rei desprezara. e todos de grande valimento. Foram, entre
esses e assim: Duarte Barbosa que muito sábio livro escrevera dando relação do
que se viu e ouviu no Oriente, e os famosos cartógrafos Rui e Francisco, os Faleiros, e os pilotos Gomes, Mesquita
e Carvalho, todos três peritos na navegação do Atlântico e do Índico, e de igual
modo foram experientes e mui experimentados nautas, como Estêvão e Afonso e
muitos outros mais.
Passado muito tempo,
sabendo de seus feitos, que tendo saído de Sanlúcar de Barrameda correu mundo, por
todos os mares, até o novo Pacífico, correndo das latinas ou dos Ladrones ou
Mindanau até Zamar e até Cebu e até aonde antes era fim de mundo e que ninguém
sabia..., passado muito tempo, ao saber de tudo isto, El-Rei chamou-lhe
traidor, como sempre fazia aos que, depois de por ele ignorados, se distinguiam
em serviços alheios. Magalhães terá sabido e deu de ombros. Ninguém trai aqueles
que nunca o souberam ter, terá dito enquanto navegava mais para diante». In
Alexandre Honrado, Os Venturosos, Círculo de Leitores, Braga, 2000, ISBN
972-42-2392-2.
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