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Em seguida, levantou-se e disse: vamos logo. Precisa tirá-la daqui. Lançou um
olhar acusatório na direcção de Byron, que, por um breve momento, desejou
rosnar como resposta. Não significa que não lamentasse pelos mortos. Ele
lamentava. Dava muita atenção a eles, tratava-os com mais cuidado do que muitas
pessoas recebiam ao longo da vida, mas não ficava choramingando. Não podia agir
assim. O distanciamento era tão fundamental quanto às outras ferramentas de um
agente funerário: sem isso o trabalho tornava-se impossível. Algumas mortes o
abalavam mais do que outras, e a de Maylene era uma delas. Ela havia ocupado um
cargo na casa funerária da família de Byron e cultivara uma longa amizade com o
pai dele. Fora isso, foi responsável pela criação das duas únicas mulheres que
ele um dia amou. Era praticamente da família, mas isso não significava que ele
iria sofrer ali. Em silêncio e com cautela, Byron e Chris carregaram Maylene
para o catre que Byron deixara do lado de fora da casa. Logo depois,
posicionaram o corpo dentro do carro fúnebre. Quando a traseira do carro foi
fechada, Chris respirou aliviado. Byron tinha lá as suas dúvidas se o delegado
policial já teria participado de alguma investigação de assassinato. Apesar de
todas as excentricidades, Claysville era a cidade mais segura que conhecia.
Durante a infância e a adolescência, não se dera conta de como isso era
incomum. Chris, sei de algumas pessoas que talvez possam ajudá-lo. O delegado
assentiu com a cabeça, sem olhar para Byron. Diga ao seu pai que..., pronunciou
Chris, com a voz cortada. Diga-lhe que vou ligar para Cissy e as meninas, emendou,
depois de limpar a garganta. Pode deixar. Chris estava indo embora, quando
parou perto da mesma porta lateral, pela qual haviam saído. Presumo, que alguém
terá que avisar a Rebbekah. E é provável que a Cissy não ligue para ela. Ela
precisa vir para cá o mais rápido possível, declarou o delegado, sem olhar para
trás.
Rebbekah
passou a maior parte do dia fora de casa, vagando pelo Gas Light District com
um caderno de rascunho debaixo do braço. Naquele momento estava sem projectos
e, ao mesmo tempo, não se sentia inspirada para criar nada por conta própria.
Algumas pessoas lidam bem com uma disciplina diária, mas ela sempre fora o tipo
de artista que precisava ter um prazo ou então estar obcecada por um propósito.
Infelizmente, isso queria dizer que não sabia para onde canalizar a inquietude
que experimentava, portanto, decidiu dar uma volta, levando consigo um caderno
e uma máquina fotográfica antiga. Depois de perceber que nem o desenho nem a
fotografia ajudariam, voltou para casa e deparou-se com mais de dez chamadas
perdidas de um número desconhecido, e nenhuma mensagem. Dia agitado e ligações
aleatórias... O que acha Querubim?, divagou Rebbekah, enquanto olhava pela
janela e alisava as costas do gato. Ela estava em San Diego apenas há três
meses, mas a comichão voltara. Ainda dispunha de quase dois meses antes de
Steve retornar para reaver o apartamento, mas já se sentia pronta para partir. Hoje
parece pior. Era como se nada estivesse no devido lugar. O resplandecente céu
azul da Califórnia parecia pálido; o pão de frutas vermelhas que ela havia
comprado na padaria do outro lado da rua estava sem sabor. Em geral, a sua
irritabilidade não se convertia no embotamento dos sentidos, mas naquele dia
tudo apresentava uma aura entorpecida. Talvez eu esteja doente. O que acha? O
gato malhado no parapeito da janela balançou o rabo. A campainha soou no andar
de baixo e Rebbekah olhou pela janela. O motorista do serviço de entregas já
estava de volta à carrinha. De vez em quando seria bom que uma entrega fosse de
facto entregue em vez de ser apenas largada, podendo apanhar chuva, ser pisada
ou até mesmo roubada, resmungou Rebbekah, enquanto descia os dois lances de
escada para alcançar a porta de entrada. Do lado de fora, nos degraus do
prédio, havia um envelope castanho endereçado a ela com a caligrafia fina e
alongada de Maylene. Rebbekah agachou-se para pegá-lo e quase o deixou cair ao
perceber qual era o conteúdo». In Melissa Marr, A Guardiã, tradução de Débora
Fleck, Editora Rocco, Wikipédia, 2011/2012, ISBN 978-853-252-776-9.
Cortesia
de ERocco/JDACT