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O
Homem dos Colibris. 1893
«(…) Na Sala Azul, Cora Cash
tentava concentrar-se no seu livro. Cora achava difícil compreender a maioria
dos romances, todas aquelas modestas governantas, mas este era diferente. A
heroína era bela, inteligente e rica, um pouco como a própria Cora. Cora sabia
que era bela, não se referiam sempre a ela nos jornais como a divina Menina Cash?
Ela era inteligente, falava três línguas e sabia fazer cálculos. E quanto a
riqueza, bom, era-o sem dúvida. Emma Woodhouse não era rica como ela, Cora Cash,
era rica. Emma Woodhouse não se deitava num lit
à la polonaise que pertencera a Madame du Barry num quarto que era, à excepção
do persistente cheiro a tinta, uma réplica exacta do quarto de Maria Antonieta
no petit Trianon. Emma Woodhouse
participava em bailes nos salões de festas, mas não em festas temáticas espectaculares
em salões de baile construídos para o efeito. Mas Emma era órfã de mãe, o que
queria dizer, pensava Cora, que era bela, inteligente, rica e livre. O mesmo
não se podia dizer de Cora, que naquele momento segurava o livro à sua frente
porque tinha uma haste de aço amarrada à coluna. Os braços de Cora doíam e ela
desejava deitar-se na cama de Madame du Barry mas a sua mãe acreditava que
passar duas horas por dia amarrada ao aparelho de coluna daria a Cora a postura
e atitude de uma princesa, ainda que americana, e pelo menos, por agora, Cora
não tinha escolha que não a de ler o seu livro em profundo desconforto.
Cora sabia que naquele momento a
sua mãe estaria a verificar o posicionamento do jantar que iria oferecer antes
do baile, ajustando tudo para que os seus convidados de quarenta e tal anos soubessem
exactamente como brilhavam no firmamento social da sra. Cash. Ser-se convidado
para o requintado baile de gala da sra. Cash era uma honra, ser-se convidado
para o jantar que o precedia um privilégio, mas ficar-se sentado a curta
distância da própria sra. Cash era um verdadeiro sinal de distinção, e era algo
que nunca era concedido levianamente. A sra. Cash gostava de se sentar diante
do seu marido ao jantar desde que tinha descoberto que o príncipe e a princesa
de Gales ficavam sempre de frente um para o outro na largura e não no comprimento
da mesa. Cora sabia que iria ficar sentada numa extremidade ensanduichada entre
dois jovens solteiros com quem deveria namoriscar apenas o suficiente para
confirmar a sua reputação da bela da época mas não demasiado a ponto de
comprometer os estratagemas da mãe para o seu futuro. A sra. Cash estava a organizar
este baile para exibir Cora como uma jóia cara para ser admirada mas não
tocada. Este diamante estava destinado a um aristocrata, no mínimo.
Logo após o baile, os Cash iriam
viajar até à Europa no seu iate, o SS Aspen. A sra. Cash não tinha feito nada
tão grosseiro como sugerir que iam à Europa para encontrar um título para Cora:
ela não subscreveu, como fizeram outras senhoras em Newport, o Titled Americans,
uma publicação trimestral que fornecia pormenores sobre jovens europeus de sangue
azul mas sem recursos que procuravam uma noiva americana rica, mas Cora sabia
que as ambições da sua mãe não tinham limites. Cora pousou o romance e virou-se
desconfortavelmente no aparelho para a coluna. Era certamente altura para a
Bertha chegar e a libertar. A correia que tinha sobre a testa estava a
enterrar-se; ela ficaria ridícula no baile desse dia com um grande risco
vermelho na testa. Ela não se importava nada de arreliar a mãe mas tinha as
suas próprias razões para querer apresentar-se no seu melhor. Esta noite era a
sua última hipótese com Teddy antes de partir para a Europa. No dia anterior,
no piquenique, eles tinham estado tão próximos que ela tinha a certeza de que
Teddy estava prestes a beijá-la, mas a sua mãe tinha-os descoberto antes que
alguma coisa pudesse ter acontecido. Cora sorriu levemente ao pensar na sua mãe
a suar enquanto pedalava para os conseguir acompanhar. A sra. Cash desprezava
as bicicletas por as considerar inapropriadas, até que se apercebeu que a sua
filha as podia usar para fugir dela, tendo então aprendido a andar numa tarde.
Ela podia ser a jovem mais rica da América, mas era certamente também a mais
perseguida. Esta noite era a da sua festa de debutante e ali estava ela
amarrada àquele instrumento de tortura. Era hora de ser libertada. Num
movimento tenso levantou-se e tocou a sineta». In Daisy Goodwin, A Última
Duquesa, 2010, tradução de Madalena Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012,
ISBN 978-989-626-407-9.
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