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Sancho II de Portugal. Fr. António Brandão (1632)
«(…) O cognome do rei
parece ser outra preocupação de fr. António Brandão, que defendia a utilização
daquela peça de vestuário por parte do rei como uma espécie de pagamento de
promessa por causa de enfermidades que teria tido enquanto criança. Corroborava
esta afirmação com a idade adulta do rei, os 20 anos, altura em que o monarca
poderia vestir o hábito dos monges de S. Francisco, já que na sua infância esta
ordem menorita ainda não se tinha implantado na terra portuguesa. A concórdia
com Estêvão Soares Silva e com as suas três tias são também futuros clássicos
tratados pela pena do cisterciense. As causas e as disposições de ambas as
concordatas, bem como a sua existência, não são postas em causa por Brandão,
embora desconfie que os textos chegados até ele, e que perduraram, muito
dificilmente corresponderiam, cláusula por cláusula, ao espírito dos dois
textos assinados naquele ano de 1223 (também aqui Herculano levanta algumas
questões e reforça a desconfiança de fr. António Brandão ao referir que a
importância daquelas duas composições não deveria ter passado despercebida à
hierarquia eclesiástica e que, pelo menos, deveriam ter sido referidas em bulas
de confirmação).
Outra dimensão aberta
pela obra de António Brandão sobre as incertezas em torno de Sancho II é a da
participação do monarca nas empresas militares contra o Islão. Alicerçado por
bulas de cruzada e de incentivo despachadas pelos papas para terra portuguesa e
destinadas a dinamizar no rei o espírito da investida contra as tropas de Mafoma,
além de citar outros autores que reafirmam essas existências, Brandão valoriza a
participação do rei português que, segundo ele, estaria já em 1225 em plena
campanha contra aquelas forças inimigas. A crítica a Brandão não aceita alguma
documentação por aquele citada, como verdadeira. Muitos consideram que
documentos referidos como existentes na Torre do Tombo, mas nunca lidos pelo
cisterciense, seriam de reinados anteriores e teriam sido confundidos com
apelos à guerra e com descrições sobre a participação de outros reis
portugueses na guerra contra os Sarracenos, como Afonso Henriques ou Sancho I.
E, sob o ponto de vista
militar, é António Brandão que, pela primeira vez na historiografia portuguesa,
introduz a problemática da conquista de Elvas, directamente pelo rei de
Portugal e da conquista de outras praças-fortes bem no interior do limes islâmico
do Gharb. Achava Brandão que a conquista se reportava ao ano de 1226, embora mais
tarde as fontes viessem a confirmar antes a data de 1230, quase na mesma altura
em que a fortaleza de Mérida cai nas mãos dos cristãos. Foi, Alexandre
Herculano, quem mais tarde deu algum sentido à disparidade de informação entre
as crónicas portuguesas e as estrangeiras acerca das datas em que Elvas caiu
nas mãos dos guerreiros portugueses. A cidade teria sido tomada em 1226 numa
primeira investida mas o contingente que a conquistou não a conseguiu manter,
ou então, optou por destruir os seus muros e infra-estruturas mais importantes
e depois abandonou-a. A ameaça cristã de novo assalto fez com que os seus
habitantes e respectiva guarnição fossem forçados a abandoná-la
definitivamente. É desta forma que as forças de Sancho II ocupam esta praça em
1230.
Inevitável,
incontornável, e sem qualquer espécie de dúvida, encarado como um problema
importante está o polémico casamento de Sancho II com dona Mécia Lopes de Haro.
Citando A. de Magalhães Basto (A. H. apresenta argumentos que, pelo menos,
coloquem a dúvida sobre a hipótese de o casamento ter existido; acaba mesmo por
contribuir para invalidar a argumentação de Brandão, referindo dois documentos
provenientes de arquivos espanhóis e que provavam a existência do casamento
servia-se das descrições do Nobiliário
para provar que o rapto da rainha tinha sido realizado) no comentário crítico
que faz àquele episódio, os principais argumentos de Brandão resumir-se-iam da
seguinte forma: 1. Conhecendo ele,
Brandão, escrituras de doação de quasi todos os anos do reinado de Sancho, em
nenhuma aparece nomeada dona Mécia, ou qualquer outra, como mulher do rei; mas
a este respeito adverte, poderá haver alguma (escritura) que eu não visse em
que se lhe dê este título, mas é dificultoso, porque vi muitas. 2. As bulas que há para el-rei não tocam
cousa alguma em seu casamento. 3. Não
fala do casamento o arcebispo Rodrigo Ximenes, tendo, aliás, acabado a sua História
em 1243. 4. Nem tampouco de tal
casamento faz cargo a Sancho II o papa Inocêncio IV na bula de deposição, de 24
de Julho de 1245, na qual, no entanto, este Pontifice aponta todos os
defeitos e acções indecentes do rei. 5.
Não prova o casamento a escritura publicada por Gudiel, celebrada em Castela,
no ano de 1257, e na qual dona Mécia se nomeia rainha, porque uma cousa é
ter-se ela por rainha, e nomear-se por tal (…) outra é sê-lo de feito.
Neste contexto, de que não teria havido casamento, Brandão coloca a
hipótese de dona Mécia ter sido chamada a Portugal com esse engodo, ou eventual
vontade do rei. Não sendo esposa de Sancho II a tradição do seu rapto e prisão
no castelo de Ourém não colocava grandes problemas a fr. António Brandão. Não
estando casada o ser arrancada à força ao rei de Portugal não parecia
tão dramático, como se o fosse. Um dos problemas que o conde de Bolonha teria
de enfrentar ao desembarcar em Portugal, além da hoste de guerra do seu irmão,
seria o da aceitação da sua autoridade no reino. Fr. António Brandão acompanha
algumas das narrativas e delas retira a ideia de que um conjunto apreciável de
terras e lugares do reino se opôs à entrada de Afonso, como curador da terra
portuguesa. Desses exemplos de lealdade põe em destaque a resistência de vilas
como Óbidos (uma carta retirada da chancelaria de Afonso III, data de 1252 e integrada
no maço dos forais da Torre do Tombo), Celorico e Coimbra, respeitando desta
forma o quadro da tradição cronística que refere para esses locais, em especial
para os dois últimos, momentos épicos de resistência ao vitorioso exército de
Afonso, conde de Bolonha. Não deixa, no entanto, de referir, por comparação
aqueles que muito cedo traíram o rei legítimo, como as acções vis dos
familiares de Soeiro Bezerra ou a traição do alcaide de Leiria, e cuja
descrição encontrou no Nobiliário do conde Pedro de Barcelos (indica que
Coimbra nunca terá sido cercada, já que as forças do conde de Bolonha não se
teriam aproximado daquela cidade, que à época, deveria estar bem guarnecida de
defensores)». In José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro,
Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de
Letras, Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval,
2003.
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