quinta-feira, 28 de abril de 2016

D. João II. As Sombras. Jorge S. Correia. «… que a princesa, ao ter conhecimento do noivo que o irmão lhe arranjara, anunciou logo que precisava de um homem mais novo que a amasse e com ela vivesse para sempre…»


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El Hombre
«(…) Tudo tratado, compromissos e alianças juradas, dispensa do papa para ultrapassar a consanguinidade, lá seguiu a nata da nobreza portuguesa para a fronteira, estanciando em Cienpozuelos, pequeno povoado já no interior de Castela, para receber dona Isabel, a princesa castelhana oferecida pelo irmão a Afonso V. Se é verdade que em qualquer casamento a noiva chega sempre atrasada, desta vez a demora foi para além da paciência da comitiva portuguesa. Esperaram, esperaram, o tempo medieval era pouco pontual, por isso ficaram para o outro dia. Mas de dona Isabel, nem o mais leve sinal. Mal sabia o bispo de Lisboa e os nobres que acompanharam o rei, que a princesa, ao ter conhecimento do noivo que o irmão lhe arranjara, anunciou logo que precisava de um homem mais novo que a amasse e com ela vivesse para sempre: se ao menos Afonso se transformasse num príncipe encantado como nas fábulas...,pensou a princesa, ainda se fosse como o príncipe João, filho dele, voltou a jovem a pensar, mas não, com tal homem não me casarei nunca!
O anúncio de dona Isabel foi ouvido por todo o reino, chegando audível também a Aragão, onde o príncipe Fernando se dispôs a dar corpo às reivindicações da jovem. Tanto mais que as promessas eram muitas e de grande valor, e a possibilidade de vir a ser rei de Castela e Aragão determinante. Agora sim! O que a seguir vem é mesmo um conto de príncipes e princesas. Aproveitando uma deslocação de Henrique IV a Andaluzia, no extremo sul do território castelhano, viagem que levaria muito tempo a cumprir, dona Isabel, por intermédio dos nobres que a apoiavam, mandou dizer a Fernando de Aragão que já era só nele que pensava: se assim é, disse para si o aragonês, ela que se prepare, porque não tarda, antes que o irmão venha de lá de baixo, me apresentarei na Corte para que a senhora veja como é diferente o garbo aragonês.
Disfarçado de almocreve, uma profissão de baixa condição, Fernando de Aragão andou uns dias escondidos por Valladolid, a capital de Castela dessa altura, para na primeira oportunidade se introduzir secretamente no paço e casar com a princesa. Claro que quando Henrique IV tomou conhecimento do logro, ficou furioso: el trato que hicimos en Toros de Guisando, par el bien de Castilia, deja de tener valor, proclamou Henrique, irritado com a iniciativa casamenteira de Isabel. E lá voltou tudo ao mesmo. Guerra aberta de palavras, por enquanto, ameaças de parte a parte, mas o que Henrique tratou logo foi de ralhar com a irmã: ai enganais-me?! Assim como assim, prefiro ser enganado por quem amo!, dito isto, recuperou a esposa de quem nunca se tinha divorciado, pelo menos de alma e coração. Quanto ao casamento da filha Joana com o príncipe português, como o jovem estava prometido à prima Leonor, a palavra de Afonso V não voltaria atrás. Na maior anarquia, Henrique IV foi perdendo cada vez mais apoios, enquanto Isabel e Fernando de Aragão os ganhavam de forma substancial. Desligado do poder, um rei fragilizado, acabaria por falecer em Dezembro de 1474, abrindo caminho à guerra civil entre partidários de Isabel e Fernando de Aragão, por um lado, e pelos da princesa dona Joana por outro: a esta, os primeiros alcunharam-na pejorativamente de Beltraneja, os segundos chamavam-lhe A Excelente Senhora.
Com apoios inferiores aos dos aclamados reis de Castela, os partidários de dona Joana viraram-se para Portugal, procurando em Afonso V o reforço das suas forças. Pois sim, disse-lhes o rei português, irei ajudar a minha sobrinha, mas para reforçar o elo que nos une, casarei com ela, intitulando-me, logo que o casório se realize, rei de Potugal e dos Algarves, de Aquém e Além-Mar em África, e por conseguinte, rei de Castela. Como é fácil de observar, era muito reino para um homem só. Mas isso era se Afonso V não fosse um soldado competente, experiente nas lides guerreiras, alguém que não se impressionava nem emocionava com quantos mortos estivessem à sua volta. Já tinha rachado muita cabeça em África, passado por grandes aflições e necessidades, era o combatente perfeito para ajudar dona Joana a fazer-se rainha de Castela e com isso reinar ele também. O mal de tudo é que o tempo não perdoa e Afonso, sem se convencer de que já não tinha ânimo para grandes investimentos, expunha-se a uma empresa difícil de gerir.
Em 18 de Maio de 1475, estando O Príncipe Perfeito com o pai em Arronches, dois assuntos entrechocaram-se no seu pensamento. Enquanto fazia da cabeça do pai o receptáculo dos seus conselhos sobre como havia de manobrar as tropas em Castela, os caminhos que devia trilhar, as escapatórias que podia utilizar e onde lhe era permitido buscar apoios, recebeu a notícia de que dona Leonor, sua mulher, tinha dado à luz um rapaz. Aquele dia tinha duas faces desiguais para o jovem. Se o nascimento de um filho o enchia de júbilo, o estado alucinado que via no comportamento do pai augurava-lhe maus auspícios. Ao tomar conhecimento do nascimento do neto, Afonso abraçou efusivamente o filho, e logo ali fez promessa de que seria o príncipe Afonso que lhe sucederia, mesmo que tivesse filhos de dona Joana». In Jorge Sousa Correia, As Sombras de D. João II, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-155-0.

Cortesia de Cdo Autor/JDACT