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El Hombre
«(…) Tudo tratado, compromissos e alianças juradas, dispensa
do papa para ultrapassar a consanguinidade, lá seguiu a nata da nobreza
portuguesa para a fronteira, estanciando em Cienpozuelos, pequeno povoado já no
interior de Castela, para receber dona Isabel, a princesa castelhana oferecida
pelo irmão a Afonso V. Se é verdade que em qualquer casamento a noiva chega sempre
atrasada, desta vez a demora foi para além da paciência da comitiva portuguesa.
Esperaram, esperaram, o tempo medieval era pouco pontual, por isso ficaram para
o outro dia. Mas de dona Isabel, nem o mais leve sinal. Mal sabia o bispo de
Lisboa e os nobres que acompanharam o rei, que a princesa, ao ter conhecimento
do noivo que o irmão lhe arranjara, anunciou logo que precisava de um homem
mais novo que a amasse e com ela vivesse para sempre: se ao menos Afonso se
transformasse num príncipe encantado como nas fábulas...,pensou a princesa,
ainda se fosse como o príncipe João, filho dele, voltou a jovem a pensar, mas
não, com tal homem não me casarei nunca!
O anúncio de dona Isabel foi ouvido por todo o reino, chegando
audível também a Aragão, onde o príncipe Fernando se dispôs a dar corpo às
reivindicações da jovem. Tanto mais que as promessas eram muitas e de grande
valor, e a possibilidade de vir a ser rei de Castela e Aragão determinante. Agora
sim! O que a seguir vem é mesmo um conto de príncipes e princesas. Aproveitando
uma deslocação de Henrique IV a Andaluzia, no extremo sul do território castelhano,
viagem que levaria muito tempo a cumprir, dona Isabel, por intermédio dos nobres
que a apoiavam, mandou dizer a Fernando de Aragão que já era só nele que pensava:
se assim é, disse para si o aragonês, ela que se prepare, porque não tarda, antes
que o irmão venha de lá de baixo, me apresentarei na Corte para que a senhora
veja como é diferente o garbo aragonês.
Disfarçado de almocreve, uma profissão de baixa condição, Fernando
de Aragão andou uns dias escondidos por Valladolid, a capital de Castela dessa altura,
para na primeira oportunidade se introduzir secretamente no paço e casar com a princesa.
Claro que quando Henrique IV tomou conhecimento do logro, ficou furioso: el
trato que hicimos en Toros de Guisando, par el bien de Castilia, deja de tener valor,
proclamou Henrique, irritado com a iniciativa casamenteira de Isabel. E lá voltou
tudo ao mesmo. Guerra aberta de palavras, por enquanto, ameaças de parte a parte,
mas o que Henrique tratou logo foi de ralhar com a irmã: ai enganais-me?! Assim
como assim, prefiro ser enganado por quem amo!, dito isto, recuperou a esposa de
quem nunca se tinha divorciado, pelo menos de alma e coração. Quanto ao casamento
da filha Joana com o príncipe português, como o jovem estava prometido à prima Leonor,
a palavra de Afonso V não voltaria atrás. Na maior anarquia, Henrique IV foi perdendo
cada vez mais apoios, enquanto Isabel e Fernando de Aragão os ganhavam de forma
substancial. Desligado do poder, um rei fragilizado, acabaria por falecer em
Dezembro de 1474, abrindo caminho à guerra civil entre partidários de Isabel e Fernando
de Aragão, por um lado, e pelos da princesa dona Joana por outro: a esta, os primeiros
alcunharam-na pejorativamente de Beltraneja,
os segundos chamavam-lhe A Excelente
Senhora.
Com apoios inferiores aos dos aclamados reis de Castela, os partidários
de dona Joana viraram-se para Portugal, procurando em Afonso V o reforço das suas
forças. Pois sim, disse-lhes o rei português, irei ajudar a minha sobrinha, mas
para reforçar o elo que nos une, casarei com ela, intitulando-me, logo que o casório
se realize, rei de Potugal e dos Algarves, de Aquém e Além-Mar em África, e por
conseguinte, rei de Castela. Como é fácil de observar, era muito reino para um homem
só. Mas isso era se Afonso V não fosse um soldado competente, experiente nas lides
guerreiras, alguém que não se impressionava nem emocionava com quantos mortos estivessem
à sua volta. Já tinha rachado muita cabeça em África, passado por grandes aflições
e necessidades, era o combatente perfeito para ajudar dona Joana a fazer-se rainha
de Castela e com isso reinar ele também. O mal de tudo é que o tempo não perdoa
e Afonso, sem se convencer de que já não tinha ânimo para grandes investimentos,
expunha-se a uma empresa difícil de gerir.
Em 18 de Maio de 1475, estando O Príncipe Perfeito com o pai em Arronches, dois assuntos entrechocaram-se
no seu pensamento. Enquanto fazia da cabeça do pai o receptáculo dos seus conselhos
sobre como havia de manobrar as tropas em Castela, os caminhos que devia trilhar,
as escapatórias que podia utilizar e onde lhe era permitido buscar apoios,
recebeu a notícia de que dona Leonor, sua mulher, tinha dado à luz um rapaz. Aquele
dia tinha duas faces desiguais para o jovem. Se o nascimento de um filho o
enchia de júbilo, o estado alucinado que via no comportamento do pai augurava-lhe
maus auspícios. Ao tomar conhecimento do nascimento do neto, Afonso abraçou efusivamente
o filho, e logo ali fez promessa de que seria o príncipe Afonso que lhe
sucederia, mesmo que tivesse filhos de dona Joana». In Jorge Sousa Correia, As
Sombras de D. João II, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-155-0.
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