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No
Oriente
«(…)
depois de instado por Umbrano, Frondelio repete os brandos versos, que de
véspera cantara a propósito do caso desastrado:
Aquelle
dia as aguas não gostaram
As
mimosas ovelhas e os cordeiros
O campo
encheram de amorosos gritos,
E não
se penduraram dos salgueiros
As cabras,
de tristeza, mas negaram
O pasto
a si e o leite aos cabritos.
Prodígios
infinitos
Mostrava
aquelle dia,
Quando
a parca queria
Principio
dar ao fero caso triste.
E tu
também, ó corvo, o descobriste,
Quando
da mão direita, em voz escura,
Voando,
repetiste
A tyrannica
lei da morte dura.
Tionio
meu, o Tejo crystallino
E as
arvores que já desamparaste
Choram
o mal de tua ausência eterna.
Não sei
porque tão cedo nos deixaste!
Mas foi
consentimento do destino.
Por quem
o mar e a terra se governa.
A noite
sempiterna.
Que tu
tão cedo viste,
Cruel,
acerba e triste,
Se quer
de tua idade não te dera
Que lográras
a fresca primavera?
Não usara
comnosco tal crueza,
Que
nem nos montes fera
Nem pastor
ha no campo sem tristeza.
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Qual
o mancebo Euryalo, enredado
Entre
o poder dos Rutulos, fartando
As iras
da soberba e dura guerra,
Do crystallino
rosto a cor mudando,
Cujo
purpúreo sangue, derramado
Por as
alvas espaldas, tinge a serra;
Que,
como flor, que a terra
Lhe nega
o mantimento,
Porque
o tempo avarento
Também
o largo humor lhe tem negado,
O collo
inclina languido e cansado:
Tal te
pinto, ó Tionio, dando o esprito
A quem
to tinha dado.
Que este
é somente eterno e infinito.
(Egloga
1ª)
Léa-se
também o soneto 12, que o poeta escreveu antes da egloga 1ª:
Em flor
vos arrancou, de então crescida,
Ah senhor
Dom António! a dura sorte.
Donde
fazendo andava o braço forte
A fama
dos antigos esquecida.
Uma só
razão tenho conhecida,
Com que
tamanha magua se conforte:
Que,
se no mundo havia honrada morte,
Não podieis
vós ter mais larga vida.
Se meus
humildes versos podem tanto,
Que co
desejo meu se iguale a arte.
Especial
matéria me sereis;
E,
celebrado em triste e longo canto (ver nota),
Se morrestes
nas mãos do fero Marte,
Na memoria
das gentes vivereis.
Nota: Allude o poeta naturalmente á egloga 1ª que elle
reputava a melhor de quantas hnvia feito. Por agora não mais, senão que este soneto
que aqui vai, que fiz á morte de dom António Noronha, decerto, o soneto acima
transcripto, vos mando em signal de quanto della me pesou. Uma egloga fiz sobre
a mesma matéria, a qual também trata alguma cousa da morte do príncipe, que me parece
melhor que quantas fiz. (Carta 1ª). Ha outro soneto, referente á morte de dom António
Noronha, que o poeta escreveu mais tarde, sob a impressão das noticias que lhe deram
de quanto essa morte havia sido lastimada pela inimiga e excellente Marfida da
egloga 1ª, noticias motivadas provavelmente pelas allusões desta egloga á ingratidão
da antiga namorada do gentil mancebo. Nesse soneto, o poeta inveja a sorte do seu
amigo, que, ao menos, moveu a piedade um peito de diamante ou de serpente. Elle,
embora morra mil vezes, não poderá conseguir tal resultado!
Alma gentil, que á firme eternidade
Subiste clara e valerosamente,
Cá durará de ti perpetuamente
A fama, a gloria, o nome e a saudade.
Não sei se é mór espanto em tal idade
Deixar de teu valor inveja á gente,
Se um peito de diamante ou de serpente
Fazeres que se mova a piedade.
Invejosa da tua acho mil sortes,
E a minha mais que todas invejosa,
Pois ao teu mal o meu tanto igualaste.
Oh ditoso morrer! ditosa sorte!
Pois o que não se alcança com mil mortes,
Tu com uma só morte o alcançaste!
(Soneto 229).
Houve,
porém, uma novidade que encheu de alvoroço o coração do poeta, que o deixou ancioso
por voltar para Lisboa: a infanta continuava solteira; já se não realizava o projectado
casamento com o herdeiro da coroa de Espanha, que, ao partir da armada para a Índia,
ficava noivo da rainha Maria de Inglaterra (logo que teve noticia do fallecimento
do rei de Inglaterra, Eduardo VI, occorrido em 6 de Julho de 1553, João III apressou-se
a tratar do casamento da irmã com o principe Philippe, não fosse Carlos V lembrar-se
de querer casar o filho com a successora de Eduardo VI, tornando assim irrealizável
o velho plano de lhe dar por marido o infante Luís, plano formado quando ella ainda
poucas probabilidades tinha de subir ao throno e que agora tanto sorria ao monarca
português; mas já era tarde; Lourenço Távora, o homem de confiança de João III,
mandado a toda a pressa á corte de Inglaterra, com minuciosas instrucções, foi ardilosamente
detido em Bruxellas por Carlos V, que, por fim, lhe fez saber que a rainha Maria
de Inglaterra ia casar com seu filho; agora já se appellava para a deplorável
situação em que ficava a infanta dona Maria! Agora já se argumentava com a obrigaçam
em que o Emperador e seu filho estavam, e penhores que tinham dado para se nam poder
tratar doutro cazamento; tudo foi inútil. Carlos V respondia que, por sua parte,
a nada estava obrigado, pois não tinha havido acceitação, e que a do príncipe, seu
filho, fora condicional, ficara dependente da sua).
É fácil
de imaginar como esta noticia melhoraria a cansada vida do poeta, como lhe daria
espiritos novos, para vencer a fortuna e o trabalho. Podemos suppôr como elle, se
lhe fosse possível, desejaria embarcar em alguma das naus que d'alli a poucos meses
voltariam para o reino, afim de poder tornar a ver, servir e querer a bem-amada,
que tão rude golpe acabava de soffrer.
… A vida
cansada se melhora,
Toma
espíritos novos, com que vença
A fortuna
e trabalho,
Só por
tornar a ver-vos,
Só por
ir a servir-vos e querer-vos.
(Canção
10ª )»
In José Maria Rodrigues, Camões e a
Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761
06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1
Robarts/.
Cortesia
do AHistórico/UCoimbra/JDACT