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[…]
Quando
eu Sonhava
«Quando
eu sonhava, era assim
que
nos meus sonhos a via;
e
era assim que me fugia,
apenas
eu despertava,
essa
imagem fugidia
que
nunca pude alcançar.
Agora,
que estou desperto,
agora
a vejo fixar...
Para
quê? Quando era vaga,
uma
ideia, um pensamento,
um
raio de estrela incerto
no
imenso firmamento,
uma
quimera, um vão sonho,
eu
sonhava, mas vivia:
prazer
não sabia o que era,
mas
dor, não na conhecia ...»
Aquela
Noite!
«Era
a noite da loucura,
da
sedução, do prazer,
que
em sua mantilha escura
costuma
tanta ventura,
tantas
glórias esconder.
Os
felizes..., e ai!, são tantos...
Eu,
por tantos os contava!
Eu,
que o sinal de meus prantos
do
aflito rosto lavava,
os
felizes presunçosos
iam
nos coches ruidosos
correndo
aos salões doirados
de
mil fogos alumiados,
donde
em torrentes saía
a
clamorosa harmonia
que
à festa, ao prazer tangia.
Eu
sentia esse ruído
como
o confuso bramar
de
um mar ao longe movido
que
à praia vem rebentar:
Ee
disse comigo: vamos,
os
lutos d’alma dispamos,
à
festa hei de ir também eu!
E
fui: e a noite era bela,
mas
não vi a minha estrela
que
eu sempre via no céu:
cobriu-a
de espesso véu
alguma
nuvem a ela,
ou
era que já vendado
me
levava o negro fado
onde
a vida me perdeu?
Fui;
meu rosto macerado,
a
funda melancolia
que
todo o meu ser revia,
qual
o ataúde levado
a
egípcio festim, dizia:
como
vós fui eu também;
folgai,
que a morte aí vem!
Dizia-o,
sim, meu semblante,
que,
onde eu chegava, o prazer
cessava
no mesmo instante;
e o
lábio, que ia a dizer
doçuras
de amor, gelava;
e o
riso, que ia a nascer
na
face linda, expirava.
Era
eu, e a morte em mim,
que
só ela espanta assim!»
[…]
Poemas
de Almeida Garret,
in “Folhas Caídas”
In
Almeida Garret, Folhas Caídas, Publicações Europa América, Livros de Bolso,
2007, ISBN 978-972-102-783-1.
Cortesia
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