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As abóbadas da igreja de Saint-Sulpice formam um altíssimo tecto de pedra onde
até um riso ecoa. Depois da leitura do Evangelho, a loura de vestido vermelho bordado
a pérolas, que se ajoelha frente ao altar ao mesmo tempo que o marquês de fato cinzento-lavanda,
murmurara-lhe, entre risos, ao ouvido: esses quadradinhos para nos ajoelharmos,
estás a ver..., são as almofadas de seda de que nos tínhamos esquecido e que mandámos
buscar ao hotel Mortenart, na Rue des Rosiers... E daí?, pergunta-lhe o jovem gascão.
A criada enganou-se. Trouxe as almofadas dos cães. A sério? Desatam a rir e a sacudir
os pêlos caninos que mais pareciam ornamentos sobre aquelas suas roupas de
sedas e bordados no meio daquela enorme igreja em obras onde, por trás deles, se
sentaram os convidados. Da fisionomia do noivo irradia felicidade: traz uma peruca
em rabo-de-cavalo, elegante e distinta. Toda ela graça, toda ela repleta de diferentes
matizes no doce esplendor dos seus vinte e dois anos, a noiva possui a candura da
infância. Próximo do pórtico da igreja, sentado num genuflexório, um duque bochechudo,
olhos verdes e salientes, boca pequena de lábios orlados, exclama, extasiado, ao
companheiro do lado: a minha filha é extremamente divertida! Com ela, nunca nos
aborrecemos. Estais a ver aquele obeso, ali, na primeira fila? É o meu filho mais
velho, Vivonne. Um dia destes, estava eu a ralhar com a minha menina por não fazer
exercício, e responde-me ela: que maledicência! Não passa um único dia em que não
dê quatro vezes a volta ao meu irmão.
Aquele
a quem se dirige, um velhote com um enorme nariz de papagaio que lhe ocupa o
rosto inteiro, pergunta: é a sua mulher aquela senhora que está ao lado do seu filho?
Tem um ar muito, muito devoto... Lá isso, diz o outro, no que se refere a
adultério, acho que me safei perante os homens mas considero-me cornudo perante
Deus! Olhe bem para a minha, que prefere viver longe de mim, a grande
Chrestienne Zamet, que ali está à direita. Passa-se a mesma coisa, resmunga o homem
com bico de papagaio. Sabe perfeitamente temperar a sua ternura de mãe com a de
esposa de Jesus Cristo. Ah, ah, ah! Riem-se ambos à socapa, os pais dos noivos,
espirituosos e galhardamente debochados. À frente deles, há alguém que se volta
franzindo as sobrancelhas e diz depois à companheira do lado: estão bem um para
o outro, aqueles dois!
Também
estão bem um para o outro, aqueles dois que se casam oito dias apenas depois de
se terem conhecido. Perante o sacerdote e quatro testemunhas dignas de confiança,
recebem o sacramento num domingo de Inverno. O sacerdote inscreve a data, 28 de
Janeiro de 1663, no registo da paróquia e depois o nome dos pombinhos, que pronuncia
em voz alta: Françoise Rochechouart Mortemart, conhecida como de Tonnay-Charente
e... A voluptuosa loura Françoise pega na pena de ganso que lhe é apresentada e,
enquanto o sacerdote articula a seguir a identidade do seu esposo, Louis-Henri Pardaillan
Gondrin, marquês de..., assina pela primeira vez com o seu novo nome: montespan».
In Jean Teulé, Montespan, Prémio Maison de La Presse 2008, Grande Prémio
Palatine du Roman Historique, colecção Tempos Modernos, Guerra e Paz Editores,
Lisboa, 2009, ISBN 978-989-8174-28-4.
Cortesia
de Guerra e Paz/JDACT