quarta-feira, 1 de junho de 2016

O Mistério do Priorado de Sião. Jean-Michel Thibaux. «Agora rodem-na para o lado, ordenou Bérenger. Os homens afastaram-se passo a passo do pilar, esmagados pelo peso. A lousa rodou sobre os ombros do sacerdote, que permaneceu no seu lugar»

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Rennes le Château. 20de Junho de 1889
«(…) Os operários paravam de vez em quando para limpar o suor. Bérenger estava de costas, quatro passos mais à frente, a meditar diante de Santo António. As palavras de Boudet, que tinha visto na véspera, ainda repicavam na sua cabeça: amanhã, à segunda hora da tarde, retirará a lousa de pedra do altar. De acordo com o binário, a essa hora os peixes do zodíaco louvarão a Deus, as serpentes de fogo enlaçar-se-ão no caduceu (vara de louro ou oliveira com duas serpentes enroscadas na ponta, que era atributo de Mercúrio e insígnia dos antigos parlamentários e arautos, e que hoje se emprega como símbolo do comércio) e o relâmpago conhecerá a harmonia. Não tinha compreendido uma palavra. No entanto, estava atento ao relógio. Já eram duas horas. Tinha chegado o momento. Voltou-se e fulminou os operários com o olhar, que jaziam tombados nas cadeiras com as ferramentas entre as pernas. Rousset e Babou ficaram inquietos. Nunca tinham visto Bérenger tão enervado. Era mesmo o diabo, esse cura!, Babou voltou a picar o chão com o maço e o buril. Pára!, troou Bérenger. O que é que se passa? Babou engoliu em seco. Retirem a pedra do altar-mor.
Os dois homens quiseram obedecer, mas por mais que empurrassem, apenas conseguiram deslocar a pedra uns centímetros. Babou deixou-se cair, extenuado. Rousset caiu a seguir, corado com o esforço. Ambos ofegavam desalentados, com a garganta seca, a pensar no absinto fresco que beberiam essa noite. O que é que se passa?, surpreendeu-se Bérenger. É demasiado pesad. Se o senhor não nos ajudar não conseguiremos movê-la. Corre-vos água nas veias... Afastem-se. O sacerdote era conhecido pela sua força prodigiosa, mas não conseguiram disfarçar o sorriso. Como é que lhe passava pela cabeça que podia sozinho com a pedra? Ia partir a espinha, no mínimo. Bérenger apoiou-se num dos pilares visigodos que sustentavam a enorme lousa, retesou os músculos e empurrou-a para cima com os ombros. Pouco a pouco, endireitou-se diante do olhar atónito dos operários. Vai-lhe cair no chão!, gritou Babou. Não faz mal, mau cristão, esforçou-se Bérenger com uma careta. Trata-se de trocá-la por uma nova... Se não queres que se parta, segura-a do outro lado. Babou começou a fazer esforços desesperados para manter a lousa em equilíbrio. Rousset agachou-se debaixo da lousa para o ajudar.
Agora rodem-na para o lado, ordenou Bérenger. Os homens afastaram-se passo a passo do pilar, esmagados pelo peso. A lousa rodou sobre os ombros do sacerdote, que permaneceu no seu lugar. Mas Bérenger, em vez de os seguir, apoiou outra vez a sua carga sobre o outro pilar. O que é que está a fazer?, gritou-lhe Rousset. Estou a descansar. Os dois compadres ofegavam sob o olhar divertido do sacerdote. O peso da lousa mantinha-os pregados ao chão, e não se atreviam a fazer o menor movimento. Também já não podiam voltar ao ponto de partida. Às vezes, não sei se estamos feitos à imagem e semelhança de Deus. Padre! Porque é que diz isso? É a verdade. Vocês não passam de criaturas fracas. Por favor, padre, tire-nos daqui. Primeiro vão-me contar quem é que anda a dizer que me deito com Marie todas as semanas, quando me traz notícias do abade Boudet. Nós não, padre... Além disso, é normal. Apesar de tudo, o senhor é um homem. Quero saber. Babou já não aguentava mais. Doía-lhe o corpo e tremiam-lhe as pernas. Não parecia que o cura fosse ceder. Se largasse a lousa, corria o risco de lhe esmagar uma perna. Preferiu falar: é Alexandrine Marro. Já suspeitava. Bérenger desatou a rir. Essa velha harpia tem-me rancor desde que cheguei à aldeia... Porque não me quis alojar em casa dela. Vou-vos livrar da carga, uma vez que não posso livrar-vos dos vossos pecados. Que, por certo, não são poucos. Iremos confessar-nos!, gritaram os homens.
Satisfeito, Bérenger contornou o pilar com os braços e levantou no ar a extremidade da lousa. Levaram-na imediatamente para o fundo da igreja. De regresso ao altar, Babou apoiou-se num dos pilares para limpar a testa. Po…!, disse surpreendido. É oco! É oco como?. Bérenger correu para o lado dele. Sim, é oco. Até tem plantas cá dentro. Bérenger afastou Babou e enterrou a mão na abertura. Continuou a enterrá-la. Tirou um molho de fetos secos e três cilindros de madeira lacrados. O coração deu-lhe um baque. Seria esse o segredo de Boudet?» In Jean-Michel Thibaux, O Mistério do Priorado de Sião, Rennes-le-Chatêau, 1888, 2004, tradução de Jorge Fallorca, A Esfera dos Livros, 2006, ISBN 989-626-019-2.

Cortesia de ELivros/JDACT