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Rennes
le Château. 20de Junho de 1889
«(…)
Os operários paravam de vez em quando para limpar o suor. Bérenger estava de costas,
quatro passos mais à frente, a meditar diante de Santo António. As palavras de Boudet,
que tinha visto na véspera, ainda repicavam na sua cabeça: amanhã, à segunda hora
da tarde, retirará a lousa de pedra do altar. De acordo com o binário, a essa hora
os peixes do zodíaco louvarão a Deus, as serpentes de fogo enlaçar-se-ão no caduceu
(vara de louro ou oliveira com duas serpentes enroscadas na ponta, que era
atributo de Mercúrio e insígnia dos antigos parlamentários e arautos, e que hoje
se emprega como símbolo do comércio) e o relâmpago conhecerá a harmonia. Não
tinha compreendido uma palavra. No entanto, estava atento ao relógio. Já eram
duas horas. Tinha chegado o momento. Voltou-se e fulminou os operários com o olhar,
que jaziam tombados nas cadeiras com as ferramentas entre as pernas. Rousset e Babou
ficaram inquietos. Nunca tinham visto Bérenger tão enervado. Era mesmo o diabo,
esse cura!, Babou voltou a picar o chão com o maço e o buril. Pára!, troou Bérenger.
O que é que se passa? Babou engoliu em seco. Retirem a pedra do altar-mor.
Os dois
homens quiseram obedecer, mas por mais que empurrassem, apenas conseguiram
deslocar a pedra uns centímetros. Babou deixou-se cair, extenuado. Rousset caiu
a seguir, corado com o esforço. Ambos ofegavam desalentados, com a garganta seca,
a pensar no absinto fresco que beberiam essa noite. O que é que se passa?, surpreendeu-se
Bérenger. É demasiado pesad. Se o senhor não nos ajudar não conseguiremos movê-la.
Corre-vos água nas veias... Afastem-se. O sacerdote era conhecido pela sua força
prodigiosa, mas não conseguiram disfarçar o sorriso. Como é que lhe passava
pela cabeça que podia sozinho com a pedra? Ia partir a espinha, no mínimo. Bérenger
apoiou-se num dos pilares visigodos que sustentavam a enorme lousa, retesou os músculos
e empurrou-a para cima com os ombros. Pouco a pouco, endireitou-se diante do olhar
atónito dos operários. Vai-lhe cair no chão!, gritou Babou. Não faz mal, mau cristão,
esforçou-se Bérenger com uma careta. Trata-se de trocá-la por uma nova... Se não
queres que se parta, segura-a do outro lado. Babou começou a fazer esforços
desesperados para manter a lousa em equilíbrio. Rousset agachou-se debaixo da lousa
para o ajudar.
Agora
rodem-na para o lado, ordenou Bérenger. Os homens afastaram-se passo a passo do
pilar, esmagados pelo peso. A lousa rodou sobre os ombros do sacerdote, que permaneceu
no seu lugar. Mas Bérenger, em vez de os seguir, apoiou outra vez a sua carga
sobre o outro pilar. O que é que está a fazer?, gritou-lhe Rousset. Estou a descansar.
Os dois compadres ofegavam sob o olhar divertido do sacerdote. O peso da lousa mantinha-os
pregados ao chão, e não se atreviam a fazer o menor movimento. Também já não
podiam voltar ao ponto de partida. Às vezes, não sei se estamos feitos à imagem
e semelhança de Deus. Padre! Porque é que diz isso? É a verdade. Vocês não passam
de criaturas fracas. Por favor, padre, tire-nos daqui. Primeiro vão-me contar quem
é que anda a dizer que me deito com Marie todas as semanas, quando me traz notícias
do abade Boudet. Nós não, padre... Além disso, é normal. Apesar de tudo, o senhor
é um homem. Quero saber. Babou já não aguentava mais. Doía-lhe o corpo e tremiam-lhe
as pernas. Não parecia que o cura fosse ceder. Se largasse a lousa, corria o
risco de lhe esmagar uma perna. Preferiu falar: é Alexandrine Marro. Já suspeitava.
Bérenger desatou a rir. Essa velha harpia tem-me rancor desde que cheguei à
aldeia... Porque não me quis alojar em casa dela. Vou-vos livrar da carga, uma
vez que não posso livrar-vos dos vossos pecados. Que, por certo, não são
poucos. Iremos confessar-nos!, gritaram os homens.
Satisfeito,
Bérenger contornou o pilar com os braços e levantou no ar a extremidade da
lousa. Levaram-na imediatamente para o fundo da igreja. De regresso ao altar, Babou
apoiou-se num dos pilares para limpar a testa. Po…!, disse surpreendido. É oco!
É oco como?. Bérenger correu para o lado dele. Sim, é oco. Até tem plantas cá dentro.
Bérenger afastou Babou e enterrou a mão na abertura. Continuou a enterrá-la. Tirou
um molho de fetos secos e três cilindros de madeira lacrados. O coração deu-lhe
um baque. Seria esse o segredo de Boudet?» In Jean-Michel Thibaux, O Mistério do
Priorado de Sião, Rennes-le-Chatêau, 1888, 2004, tradução de Jorge Fallorca, A
Esfera dos Livros, 2006, ISBN 989-626-019-2.
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