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A Ventura
«Ó
Saudade tantas vezes invocada, Musa, que tantos
infelizes
inspiraste! Tu, que nos deixas a nossa alma
iluminada.
Que tantas Liras, com teus dedos, afinaste!
Ó
saudade que és das dores a mais linda. Que das
tristezas
és a mais menina e moça, A mais eleita, a Desejada, a mais bem-vinda! A que mais nos governa, a
mais senhora nossa!
Enche
o meu coração da tua claridade,
Desse
raio de luz trémulo e moribundo
Que
é o fogo-fátuo de perdida mocidade
Com
que o sol, ao morrer, ensanguenta o mundo!
E
quando à tarde, em labaredas, o Poente Parece, na
distância,
uma outra Roma a arder! É uma saudade, é a dor que a natureza sente Pelo sol que a fecunda e faz
reverdecer!
Ó
minha musa triste e d'olhos lacrimosos! Ensina-me a
pintar
o que é ficarmos sós! Que eu saiba ler nos corações desfortunosos. Que eu aprenda a cantar com
lágrimas na voz!»
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«É
sempre ao pôr do sol a hora de partir!
É
quando chora uos pinhais o vento norte,
Que
tão bem sabe em doidos gritos traduzir
A
dor dos que andam sempre ao deus-dará da sorte!
Sempre
um sinal do céu aos homens revelou Cada facto
que
é, na vida, extraordinário! Quando morreu Jesus o sol se eclipsou E em convulsões estremeceu todo o
Calvário!
É um
adeus afinal a minha vida toda...
Sempre
do coração sinto partir alguém!
Que
deserto areal descubro, se olho em roda.
Nem
sei por que milagre ainda me resta alguém!
Adeus!
Adeus! Eis as palavras que aprenderam, Logo ao
nascer,
os meus ouvidos infelizes! Em chagas a sangrar assim os converteram Estas palavras que nos deixam
cicatrizes!
É ao
ouvir, dentro do peito, soluçar Desapiedada voz
que
só me diz adeus, E me causa tristeza, e faz idealizar Uma cruzada que conquiste novos céus!
É
ouvindo essa voz que em lágrimas chegara Ao mais
recôndito
lugar do coração. Onde um dilúvio de repente se formara, Oue as Bíblias do Amor em verso cantarão!
Que
eu vou cantar, meus companheiros d'Aventura, A
facada
que contra o peito nos vibrou, Lá numa esquina deste mundo, em noite escura, A Sorte que funesta
estrela nos ditou!
E
que nos fez perder assim os pátrios lares, E nos
deixou
sem norte, errantes, vagabundos, Abandonando-nos à fúria desses mares. Onde tentamos descobrir uns
novos mundos!
E,
quais Telémacos entregues ao furor Das tempestades
e
dos deuses vingativos, Nós viajamos em procura dum amor Que vive longe... entre arvoredos primitivos!
Vive
encantado, e simplesmente os leais amantes Têm
para
ele uma varinha de condão Que, numa noite, os faz andar terras distantes E um rochedo converter num
coração!
O
amor existe. É o eterno sol auroreal Oue de flores
esmalta
nosso sentimento. Quem for capaz de amar possui todo o Ideal, Quem tem um coração é o Deus
dum firmamento!
Mas
quantas ilhas desoladas visitamos!
De
que tormentos e naufrágios e perigos.
Por
milagre de Deus, apenas nos salvamos.
Meus
companheiros da Aventura, ó meus amigos!
Mas
essa Grécia, aquela praia desejada
Das
velhas naus, em pouco tempo, heis-de avistar...
Já
no horizonte é como nuvem desmaiada,
E um
lenço branco que pra nós está a acenar!
Já
se distinguem bem as linhas sinuosas Daqueles
montes
onde, um dia, nós nascemos... Ivá nos esperam outras almas venturosas Que nos hão-de entregar
aquilo que perdemos!
Do
nosso lar o fumo perde-se no espaço. Nossa terra
natal
já se descobre além... Dois braços eu avisto abertos num abraço, K naquele alto, à nossa espera, eu
vejo alguém!
Oue
lindo mar! Olhai, vede nascer a aurora! Como
brilha
no céu a estrela da manhã! O mundo unicamente é mau para quem chora, B é feliz quem tiver outra alma
sua irmã!»
Poemas de Teixeira de Pascoais, in “Obras Completas”
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