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Dona
Isabel de Portugal. Rainha de Castela
«Em
1428, quando Isabel nasceu, ainda era rei seu avô, João I, que, por acaso, era também
seu bisavô. A história não é fácil de perceber, nem especialmente lisonjeira para
a imagem de João, mestre de Avis, o rei dito de Boa Memória, que, apoiado pelo povo e escoltado por Nuno Álvares Pereira,
segurou a independência portuguesa perante as legítimas pretensões de Castela na
crise (revolução?) de 1383-85 e deu início à segunda dinastia nacional, a de Avis.
Vamos por partes: João casou com a inglesa Filipa de Lencastre. Dessa célebre
união nasceu um conjunto de infantes cultos e audazes que ficariam celebrizados
para a História sob a designação de a Ínclita Geração. Dela constavam, entre outros,
Duarte, futuro rei de Portugal, o infante Henrique, Fernando, chamado o Infante
Santo (??) pela sua trágica morte em África em favor dos interesses nacionais, e
João, duque de Beja, sexto e penúltimo dos irmãos. Ora este João viria a ser pai
da nossa menina Isabel, fazendo dela, portanto, neta legítima do rei João I. Esta
parte é fácil; falta a outra.
Apesar
do celebrado casamento com Filipa de Lencastre e da boa reputação de que sempre
gozou, o facto é que o rei João não se furtou aos costumes da época e também teve
a sua relação extraconjugal e os seus bastardos. A relação em questão deu-se com
a senhora Inês Pires Esteves e dela nasceram dois filhos, um menino e uma
menina. Ora, o rei casaria esse menino bastardo de nome Afonso com Beatriz Pereira
de Alvim, filha única do seu condestável Nuno Álvares Pereira, dotando-os de terras
e bens e dando origem à Casa de Bragança (que muito lá mais adiante na História
se tornará na quarta e última dinastia da monarquia nacional). Pois bem: Afonso
e Beatriz tiveram uma filha de nome Isabel e essa Isabel acabou por casar com João,
o tal sexto e penúltimo irmão da Ínclita Geração e, portanto, sexto e penúltimo
filho legítimo do rei João I.
Confusos? É natural. Digamos,
em resumo, que esta Isabel casou com um meio-irmão do pai e, portanto, um homem
que era mais ou menos seu tio. Juntos, tiveram uma filha, também baptizada
Isabel, aquela com que começámos a nossa história e que era assim, portanto, neta
do rei João por via paterna e legítima e bisneta do mesmo rei João por via
materna e bastarda. Notável. A pequena Isabel cresceu, pois,
na corte, embora sem privilégios especiais. O pai tinha bens, mas nunca poderia
aspirar a ser rei, tantos infantes e duques tinha à frente na linha de sucessão.
Era um ambiente dominado pela aura de poder daquela dinastia que, depois de assegurar
a independência nacional, tinha já dado início à expansão, combatendo e triunfando
no Norte de África e lançando as bases dum império ultramarino. Sobre toda a corte
impendia ainda a devoção religiosa e o carisma do seu outro bisavô, Nuno Álvares
Pereira, herói de guerra que, pelas suas proezas, fora recompensado com
inúmeras riquezas e terras e que, no entanto, depois de se tornar um dos homens
mais ricos de toda a Península Ibérica, preferira distribuir tudo por companheiros
de armas e mendigos, entrando para o Convento do Carmo por ele mesmo mandado construir,
esperando que, algures, o mundo o acabasse por esquecer.
Este
bisavô morreu tinha Isabel três anos; o outro, que também era avô e rei, quando
ela completara cinco. O rei Duarte subiu então ao trono e com ele chegaram à
corte algumas caras novas, como o seu antigo escudeiro Rui Gomes Silva e respectivas
filhas. Uma destas crianças seria depois entregue à mãe de Isabel para que viesse
a tornar-se aia da pequena infanta. Chamava-se Beatriz, a menina em questão.
Era ligeiramente mais velha do que Isabel, teria talvez sete anos, e tão bonita
que, um dia, um pintor usá-la-á como modelo para um retrato da Virgem Maria. Isabel
e Beatriz cresceriam, portanto, juntas, entre jogos, bordados e tertúlias, mas o
seu destino não seria o mesmo. Eram ambas fidalgas, mas Beatriz era uma simples
aia particularmente empenhada nas suas orações a São Francisco de Assis e a Nossa
Senhora da Conceição; Isabel, ainda que por via ínvia, tinha sangue real nas veias
e, um dia, deveria casar com um infante ou duque duma casa estrangeira. Esse dia
chegou em 1447, já o rei Duarte havia morrido e subido ao trono o seu filho Afonso
V. Mas Isabel não tinha à espera uma segunda figura como ela; o noivo era o próprio
rei de Castela...
Juan
II de Castilla não fazia planos de voltar a casar. Era um homem fraco de 42 anos,
mais 23 do que a noiva que agora lhe arranjavam, tinha levado uma vida razoavelmente
longa e com mais aborrecimentos do que contava. O trono caíra-lhe ao colo aos 27
meses de vida, quando o pai, Henrique III, morreu. O tio Fernando assegurou a
regência enquanto crescia, mas, quando assumiu oficialmente funções, depressa se
percebeu que não fora talhado para liderar. Era um homem afável, que gostava de
cantar e dançar, aptidões pouco adequadas aos confrontos com a nobreza que o aguardavam.
A partida de Fernando para assumir o trono de Aragão e o dócil carácter do rei deixaram
a Álvaro Luna caminho aberto para se impor. Luna era um fidalgo que conhecia Juan
desde criança; tinha sobre ele um ascendente, sabia disso e ia explorá-lo até
onde lhe fosse permitido.
Promovido
a ministro e favorito pessoal no afecto do rei, Álvaro Luna tornou-se, então, no
verdadeiro governante de Castela. Fez alianças políticas com a pequena nobreza e
o baixo clero, para combater as aspirações dos grandes fidalgos de Castela e
dos infantes de Aragão, e arrastou para a guerra as tropas do rei, numa tentativa
fracassada de reconquistar Granada aos mouros (há quem diga, aliás, que o falhanço se ficou a dever não tanto a questões
bélicas, mas a uma carroça cheia de figos com que os muçulmanos, em momento
oportuno, presentearam Luna, sendo que, dentro de cada figo, estaria uma moeda de
ouro…). Especulações à parte, ao longo dos anos seguintes Luna seria sucessivamente
nomeado condestável de Castela, conde de Santiesteban e grão-mestre da Ordem de
Santiago. Por volta de 1445, a sua autoridade tinha-se tornado pouco menos do que
absoluta». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das
Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
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