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Memórias,
história e património
«Em
obediência ao programa editorial da Colecção Portugal nas Memórias Paroquiais
de 1758, publica-se agora o volume 5 das Memórias Paroquiais respeitantes ao
Distrito do Porto. Com esta publicação vai-se ao encontro, pelo menos no que
diz respeito à região do grande Porto, de uma área cultural onde as
Memórias Paroquiais foram precocemente e em grande extensão objecto de
interesse e curiosidade local. Elas fizeram parte dos conteúdos e temas de referência
de alguns investigadores e historiadores locais que ao longo da 1.ª metade do
século XX se interessaram pela História Municipal e Local. Em especial, os
autores que mais intensamente ao longo das décadas de 1920-1940, em correlação
com o surto dos movimentos regionalistas, municipalistas e descentralizadores,
prestaram mais atenção à História das terras e para ela procuraram as bases, os
fundamentos e as origens histórico-culturais. Em alguns casos as Memórias
Paroquiais foram mesmo objecto de publicação sistemática, como base do suporte da
construção da identidade e história municipal. Este programa de estudo e
publicação das Memórias teve depois continuidade no pós 1975 com o surto da
História Local, em muitos casos em correlação com o revigoramento da vida
municipal e apoiada pelos municípios. Por isso quando iniciamos a reunião de
materiais para a publicação deste volume, fomos de certo modo surpreendidos com
o enorme volume de Memórias que já tinham sido dadas à estampa e eram
conhecidas da Cultura e História das Terras, mais do que da História e Historiografia
Nacional. E que de um modo quase geral e sistemático cobrem os concelhos envolventes
do Porto e a cidade.
É o
caso das edições mais precoces dos anos de 1920/1930, para os municípios de
Vila do Conde, Paredes e Gondomar, às seguintes das décadas de 1950-1970 de
Santo Tirso, Matosinhos, Póvoa de Varzim e Porto, até às edições (ou
reedições), mais recentes de Vila Nova de Gaia, Penafiel e Paredes. A edição do
presente volume respeitante ao Distrito do Porto que continua a enquadrar-se para
efeito de arrumação de publicações nos quadros concelhios, e por eles no
Distrital, aproxima-se aqui muito de perto do quadro da Diocese Portucalense,
dada a proximidade do desenho do Distrito com o da diocese. O quadro diocesano
e da sua administração portuense apresenta-se-nos então muito robusto capaz de
fixar e estabilizar precocemente os seus limites, mas também resistir às forças
da sua diminuição, vindas sobretudo dos poderes régios, que do poder senhorial
e temporal dos seus bispos pretende também diminuir o seu poder e jurisdição
eclesiástica. Importante golpe seria o desferido por Pombal com a criação da diocese
de Penafiel (1770-1778). Mas tal não vingaria nem sobreviveria ao afastamento
do Ministro de José I e do seu projecto de poder regalista de reordenamento do
poder eclesiástico e territorial e submissão dos bispos e quadros diocesanos.
Mas
este é um assunto que tem os seus desenvolvimentos pós 1758. O quadro da
divisão e administração diocesana é muito forte nas referências dos párocos
memorialistas que sempre situam rigorosamente a posição das suas paróquias no
quadro do ordenamento da divisão e administração eclesiástico-diocesana, mas
também no da administração e governo eclesiástico e pastoral, onde os direitos
de padroado e apresentação vão largamente desenvolvidos, a História da Igreja
Portucalense regularmente evocada a partir do Catálogo dos Bispos do Porto de Rodrigo
Cunha, obra maior da cultura e identidade político-religiosa do clero urbano e
rural da diocese do Porto que poucos párocos desconheceriam. A força e
pregnância da administração diocesana eclesiástica, vai expressa no longo espaço
que toma ainda na obra do padre Agostinho Rebelo Costa, na sua Descrição
Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, de finais do século XVIII (1.ª
edição 1788-1789). Particularmente robusta e desenvolvida é a organização e
vida paroquial diocesana. Ela exprime-se desde logo pelo desenvolvimento médio
da dimensão demográfica das paróquias, e nelas pela centralidade paroquial das
igrejas matrizes e da sua acção cultural e eclesiástica. É possível através das
Memórias Paroquiais seguir e compor o quadro geral das igrejas matrizes que em
meados do século XVIII têm sacrário e Santíssimo Sacramento, culto central à actividade
eucarística e paroquial da igreja, mas também da instalação de algumas
confrarias centrais à vida religiosa e administração eclesiástica das
paróquias, da administração temporal da Igreja, a confraria do Subsino, e
outras confrarias devocionais, suportes por excelência do enquadramento e
desenvolvimento de cultos estratégicos da Igreja Portuguesa. E também pelas demais
instituições religiosas de enquadramento da população, expresso na densidade de
capelas, confrarias e irmandades e outros institutos pios, religiosos e
sociais, todas elas contribuindo para o reforço e relevância da paróquia. E é
também grande e importante o papel social e religioso que os inúmeros
institutos e comunidades de religiosos têm na diocese e na cidade, com uma grande
irradiação política e cultural.
Este
desenvolvimento das instituições da administração eclesiástica no quadro das
paróquias portuenses, explica também, com outros factores, o fraco desenvolvimento
das estruturas civis e políticas da coroa e municípios, nos lugares e nas vintenas.
Ao lado da diocese, só a cidade do Porto exerce tão grande força política,
enquadradora e centralizadora deste território, mas também significativa
irradiação social e monumental, que nesta conjuntura irá reforçar com o apoio
do governo central. As Memórias Paroquiais urbanas, se bem que pobres para a
caracterização social-económica urbana, são por outro lado, ricas de informação
sobre as suas instituições religiosas e também da administração política e
civil e seus equipamentos. Jaime Ferreira Alves relevou já o seu contributo
para a história monumental e artística da cidade no fim do longo ciclo do
Barroco e início do Neoclassicismo portuense, quando a cidade arranca para
novos voos patrimoniais e urbanísticos. Por outro lado, as Memórias rurais,
sobretudo das áreas peri e circum-urbanas e das terras dos julgados ou
ouvidorias que constituem o vastíssimo termo do Porto, fornecem importantes
elementos para vincar o papel central e centralizador do Porto neste
território. A organização e estrutura dos julgados e ouvidorias vai, por regra,
bem descrita nas suas instituições político-administrativas do governo destes
termos concelhios e na sua articulação e dependência ao município do Porto.
Através das ouvidorias reforçam-se as bases de articulação à cidade, pela
constituição de patamares jurisdicionais e territoriais de administração do
território que permitem gerir este vasto termo, único no quadro nacional pela
sua vastidão e fórmula de articulação. Nas Memórias, na zona circundante à
cidade, correspondentes a um primeiro círculo (à Thunem) de organização do
território e suas actividades económicas em função do grande centro e mercado
urbano, é bem visível, por um lado, o papel e tarefas daquelas freguesias dos
actuais concelhos da Maia, Matosinhos, Vila Nova de Gaia e Valongo que se especializam
no fornecimento de víveres e produtos industriais e matérias primas à cidade,
mas também no suporte e articulação da cidade ao vasto território minhoto e
duriense. Por outro lado, é possível seguir o papel que tem a rede hidrográfica
na construção e unificação económica deste território e sua articulação ao
Porto. As Memórias Paroquiais produzem por todo o lado importantes descrições
dos rios, em toda a sua extensão, perfis e ligação às terras. Há aqui Memórias particularmente
ricas de descrições dos grandes cursos de água que se articulam ao Douro (mas também
ao Ave), e particularmente ao papel do Douro como unificador e construtor de
grande centro portuário, mercantil e económico da região e de todo o Norte, que
é a cidade do Porto». In José Viriato Capela, Henrique Matos,
Rogério Borralheiro, As Freguesias do Distrito do Porto, Memórias Paroquiais de
1758, Memórias, história e património, colecção Portugal nas Memórias
Paroquiais de 1758, volume 5, Braga 2009.
Cortesia
de CPortugalMParoquiais1758/JDACT